TRES CAMINHOS DE MARINA SILVA




Antônio Campos externou seu apoio ao nome da ambientalista para encabeçar a chapa.
A campanha eleitoral brasileira começou praticamente do zero depois do acidente que tirou a vida do candidato à presidência pelo PSBEduardo Campos. Se na quarta-feira as especulações sobre o possibilidade de Marina Silva assumir a cabeça da chapa estavam sendo feitas nos bastidores, hoje o irmão de Campos, Antônio Campos, escancarou esse desejo. “Como filiado ao PSB, membro do Diretório Nacional com direito a voto, neto mais velho vivo de Miguel Arraes, presidente do Instituto Miguel Arraes – IMA e único irmão de Eduardo, que sempre o acompanhou em sua trajetória, externo a minha posição pessoal que Marina Silva deve encabeçar a chapa presidencial da coligação Unidos Pelo Brasil, liderada pelo PSB”, escreveu ele, em carta enviada aos dirigentes do partido. “Tenho convicção que essa seria a vontade de Eduardo”, completou ele.
A reportagem é de Carla Jiménez e Marina Rossi e publicada por El País, 14-08-2014.
A posição tomada pelo advogado e escritor fecha o cerco sobre o nome de Marina e torna mais difícil para o PSBpensar em outro nome. Desta forma, é praticamente certo que a ambientalista entra como uma concorrente competitiva na corrida eleitoral. Chances de vencer ela tem, ou ao menos de ir para o segundo turno das eleições de outubro. Em abril, o instituto Datafolha fez uma pesquisa eleitoral cogitando a ambientalista como presidenciável, quando ainda era incerto quem comandaria a aliança. Naquele momento, ela aparecia com 27% das preferências, na frente de Aécio Neves, do PSDB, que tinha 16%, e atrás de Dilma Rousseff, que somava 39% de apoio.
Para a cientista política Fátima Pacheco Jordão, a posição firme do irmão não dá espaço para dúvidas. “Ele representa a família, não partidária, e isso é muito forte”, avalia. “Tenho a impressão que essa é uma sinalização muito forte, até para a Marina aceitar”, completa. O assunto ganha uma dimensão especial, uma vez que a corrida eleitoral está de olho no calendário. No próximo dia 19 começa a propaganda eleitoral gratuita quando efetivamente o eleitor brasileiro toma suas decisões finais sobre o seu voto. Embora a internet seja um instrumento importante, ainda é a televisão a fonte de informações oficial para fechar o critério da escolha.
Por ora, o partido não tomará qualquer decisão, uma vez que ainda vive o luto da morte do seu principal expoente. Em nota divulgada no portal do PSB, a direção explica que “só tomará, quando julgar oportuno, e ao seu exclusivo critério, as decisões pertinentes à condução do processo político-eleitoral”. Para o cientista político Fernando Antonio Azevedo, da Universidade Federal de São Carlos, Marina é o nome mais expressivo e, racionalmente, deveria assumir a cabeça da chapa. “Por outro lado, o PSB está extremamente frágil em relação a esta situação, porque um dos projetos da Marina é formar a Rede”, diz ele, em referencia ao partido que Marina tentou criar e não conseguiu as assinaturas de apoio no tempo delimitado pelo Tribunal Superior Eleitoral.
As divergências entre Marina Silva e integrantes do PSB era conhecida, mas a aliança com Campos sempre prevaleceu. Ela nunca quis fechar alianca com o governador tucano Geraldo Alckmin, por exemplo, o que não impediu que o deputado do PSB, Marcio França, aceitasse o convite para ser o vice na chapa do para a reeleição de Alckminem São Paulo. “O primeiro desafio dela é agregar ‘marineiros’ e ‘eduardistas’ dentro da coligação”, diz Adriano Oliveira, sociólogo da Universidade Federal de Pernambuco.
Os dados já estão lançados, mas é líquido e certo que o o cenário muda para os presidenciáveis Aécio Neves eDilma Rousseff. Ambos devem perder votos para a ambientalista, acredita Claudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas. Tudo, porém, está no campo das especulações. “Já era uma eleição indefinida, antes da morte de Eduardo Campos, a mais indefinida desde 1989 (quando Fernando Collor concorreu com Lula no segundo turno, com vitória de Collor), e agora ficou ainda mais”, conclui Couto.
Três caminhos diante de Marina Silva

"Os dilemas de Marina serão decisivos para sua trajetória pessoal. Mas lançam luz sobre algo muito mais importante: o declínio dos sistemas políticos atuais, da democracia de “baixa intensidade” que ainda não fomos capazes de superar", escreve Antonio Martins, jornalista, em artigo publicado por Outras Palavras, 13-08-2014.
Eis o artigo.
A morte trágica de Eduardo Campos, a apenas 50 dias das eleições de 3 de outubro, deixa em aberto a disputa pela presidência do Brasil.
Volta todas as atenções, num primeiro momento, paraMarina Silva, a vice de Eduardo que optou por não concorrer ao Palácio do Planalto há dez meses, quando trocou o posto promissor de segunda colocada nas pesquisas por um projeto de médio prazo – o de construir sua Rede ao abrigo do PSB.
O falecimento de Eduardo frustra este projeto. Obriga a ex-professora secundária a se expor ao eleitorado antes de constituir uma base sólida – e após o desgaste que sofreu perante parte da militância, decepcionada em face de sua escolha pragmática e moderada. Como não há vida para trás, Marina está agora diante de uma oportunidade e uma angústia imensas. Só não disputará a Presidência se não o desejar — porque alijá-la seria desmoralizante para quem o fizesse. Mas que postura assumir, como postulante ao poder? Há três cenários básicos – e uma vasta combinação de possibilidades intermediárias. Vale sondá-los.
Na primeira hipóteseMarina reencarna a condição de candidata anti-establishment, com a qual deixou o ministério do Meio-Ambiente no governo Lula, disputou a presidência em 2010 e angariou uma legião de apoios, em especial entre a juventude desacreditada do sistema político. Ela parte de um patamar importante, caso deseje sustentar esta postura. Nas últimas pesquisas em que foi apresentada aos eleitores, no início de abril, mantinha-se em segundo lugar na corrida ao Planalto, com 27% das preferências – doze pontos acima de Aécio Neves. Além disso, estava em ascensão.
Assumir esta postura radical até outubro reconciliaria a candidata com seus apoiadores históricos. Permitiria-lhe, além disso, eletrizar uma eleição até agora morna, do ponto de vista do debate programático. Ao enfrentar o sistema político tradicional e suas contradições, a acreana seria certamente abandonada e hostilizada – pela mídia, pelos financiadores de campanha, por ao menos alguns de seus atuais correligionários e aliados. Precisaria contar, essencialmente, com sua capacidade de comunicação, carisma e mobilização. Seria obrigada a provocar debate sobre grandes temas nacionais. Em certa medida, obrigaria tanto Dilma quanto Aécio a fazer o mesmo.
Mas se depararia com suas próprias contradições. Como manter tal atitude, por exemplo, diante do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin – um aliado que ela não escolheu, mas aceitou? Como conciliá-la com o conservadorismo do eleitorado evangélico e seus “pastores”?
segundo cenário é oposto ao primeiro e expõe outra face da candidata. Nesta hipótese, Marina opta por um casamento com, digamos, o lado obscuro de sua força. Nele entram não apenas o governador de São Paulo e os bispos intolerantes, mas também os economistas francamente neoliberais de que a ex-ministra se cercou, ainda antes de se aliar a Eduardo Campos. Por este caminho, ela utiliza sua fortíssima base de votos para apresentar-se, para todos os efeitos, como “grande esperança branca” contra Dilma. Atrairá muito apoio financeiro e será querida pela mídia.
Mas enfrentará grandes obstáculos e riscos – embora de outra natureza. Como convencer os antigos “marineiros”? Esperando que não se deem conta da mudança, durante campanha tão curta? Como reagiria o PT? Desafiado, não tenderia ele próprio a politizar a disputa, para manter seu eleitorado tradicional? Que representaria, para Marina, a hipótese de perder as eleições, mesmo concedendo tanto? Seria possível manter o capital político, após tal desconstrução de projeto e imagem?
terceiro cenário é o mais imobilista. Nele, Marina assume a candidatura para ganhar tempo e “guardar lugar” – focada não em 3 de outubro, mas em 2018. Mantém-se nos próximos 50 dias como uma espécie de vice. Renuncia ao papel de protagonista. Acalenta o projeto de priorizar a construção da Rede, após as eleições. Ao invés de incendiá-las, contribuiu para o banho-maria.
Porém até esta hipótese conservadora guarda riscos. Como os seguidores da candidata, de um e de outro lado do espectro político, o interpretarão? Como esforço válido para ganhar tempo? Ou hesitação e recuo, diante de oportunidade histórica?
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Os dilemas de Marina serão decisivos para sua trajetória pessoal. Mas lançam luz sobre algo muito mais importante: o declínio dos sistemas políticos atuais, da democracia de “baixa intensidade” que ainda não fomos capazes de superar.
Como aceitar que o debate permaneça tão pobre, limitado e dependente de escolhas individuais, numa época em que se abrem tantas oportunidades de diálogo direto entre os cidadãos? Por que assistimos, em todo o mundo, ao igualamento progressivo dos partidos, à captura da política pelo poder econômico – e não somos capazes, ainda, de apresentar alternativas?
Será ótimo se pudermos, além de assistir à luta de Marina ante seus impasses, caminhar alguns passos para superar os nossos.
Fonte:http://www.ihu.unisinos.br/noticias/534260

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