EVO MORALES E A VITÓRIA DO "SOCIALISMO COMUNITÁRIO"

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Por que e como garantir propriedade para os povos originários e cooperativas. A proibição dos transgênicos, cultivados por brasileiros. Bolívia, possível pólo energético sulamericano?

Evo Morales e a vitória do “Socialismo Comunitário”


Na véspera das eleições bolivianas que garantiram seu terceiro mandato à frente da Bolívia, o presidente e candidato Evo Morales recebeu CartaCapital para uma entrevista em Cochabamba, no palácio do governo departamental. Ali, uma comitiva de mídias nacionais e internacionais aguardava o ônibus que os levaria para acompanhar a votação de Evo em Villa 14 de Setembro, no Chapare.
O presidente chegou cedo ao palácio, às sete da manhã, dirigindo seu próprio carro e aparentemente sem seguranças. No momento de sua chegada, apenas os repórteres de CartaCapital e Bolivia TV aguardavam na calçada. Ao nos ver, o presidente veio em nossa direção e nos cumprimentou “Hola, compañeros”, dando um leve soco no punho de cada um, como quem encontra velhos amigos.
Com seu jeito informal e carismático, Evo recebeu cada mídia para uma entrevista exclusiva de 10 minutos, com perguntas livres. Seguem abaixo os principais trechos da conversa para CartaCapital onde Evo falou sobre socialismo comunitário, transgênicos e integração latino-americana.

Por que o senhor estava tão bem posicionado nas pesquisas?

Sinto que durante os nove anos de governo temos trabalhado pelo povo sem descuidar da luta contra o império. É outra a imagem que temos da Bolívia, depois de tomar as decisões políticas mediante a Assembleia Constituinte, depois da nacionalização, a nova situação econômica com redução da pobreza sob a política de redistribuição de riqueza. Isso tem sido a base do modelo econômico boliviano. Porém, além disso, quando se trabalha para o povo, você se fortalece e não se desgasta. Essa é a experiência dessa gestão como presidente.

Em todos os comícios você falava em obter mais de 70% dos votos. Por que essa meta?

Começamos com 20%, chegamos a 54%, 58%, depois 64%. Agora vai ser 70%, mas isso vai depender do povo. Há ambições de seguir melhorando nossas votações. Não sei com que estratégia, mas vamos bater nosso recorde. (Até o fechamento deste texto, Evo havia conseguido 60%, de acordo com a apuração oficial.)

Na Bolívia, vive-se um governo socialista?

Aqui temos o socialismo comunitário, onde fundamentalmente se respeita a propriedade privada. E todos merecem uma propriedade privada, segundo a Constituição, que é resultado da refundação da Bolívia e precisa obrigatoriamente ser respeitada. O mais importante, porém, é que no setor mais empobrecido o que se aplica é o socialismo comunitário.

E o que é o socialismo comunitário?

É um trabalho conjunto. É respeitar as terras dos povos originários (indígenas). Há propriedade privada, há associações econômicas como as cooperativas, há empresas comunais e empresas familiares. Isso é a base do socialismo comunitário.

Atualmente, como está o processo de integração latino-americana?

É sempre importante a integração da América Latina e do Caribe. Temos a Comunidade de Estados Latinoamericanos e Caribenhos (CELAC), por exemplo, que é outra forma de libertação da América do Norte, do Canadá e, especialmente, dos Estados Unidos. A CELAC é como outra OEA (Organização dos Estados Americanos), mas sem os EUA. Temos algumas diferenças ideológicas com alguns presidentes, mas a ALBA (Alianã Bolivariana para os Povos de Nossa América) é uma instância de integração que não é usada por ninguém para seus próprios interesses, como fazem os EUA. Agora, a ALBA é todo o contrário da Aliança do Pacífico. As políticas norte-americanas usam os países da Aliança do Pacífico para romper esse sistema de integração, caso da UNASUL (União de Nações Sulamericanas) e da CELAC. Enquanto na ALBA há decisões políticas e ideológicas bem definidas de que somos de um pensamento anti-imperialista e de um sistema anticapitalista, os países da Aliança do Pacífico se juntam pró-capitalistas e pró-imperialistas para frear o sistema de integração. Essa é a profunda diferença que temos neste momento.

Existem muitos empresários brasileiros na Bolívia trabalhando com agricultura, e alguns analistas dizem que eles estão realizando plantios de transgênicos. Como o senhor vê a questão dos transgênicos ilegais na Bolívia?

São dois temas: um é o da propriedade de terras. Se são legalmente registradas no nome dos brasileiros que as compraram, são respeitadas. Esperamos que não estejam ilegais, porque aí vamos tomar providências. Segundo: estrangeiros não têm porque plantar transgênicos ilegais – o que também não vamos permitir, é claro! É uma política do estado fomentar produtos orgânicos e ecológicos para o bem da vida e para o bem da saúde.

Um dos objetivos do seu governo é converter a Bolívia no coração energético da América do Sul, inclusive com o uso de energia nuclear. Pode falar um pouco dessa escolha?

Energia nuclear com fins pacíficos requer muito tempo para se desenvolver. Decidimos que a Bolívia vai ser um centro energético da América do Sul com as plantas hidrelétricas, estamos começando a incorporar energia solar, a eólica, a geotérmica e a termoelétrica será para o mercado interno. Estamos também considerando a energia nuclear com fins pacíficos. Isso requer tempo e investimentos. Mas, desde que os fins sejam pacíficos, temos direitos. Não é possível que somente alguns países chamados desenvolvidos ou altamente industrializados tenham direito à energia atômica, mesmo que nem sequer com fins pacíficos, mas com fins de acabar com vidas. Por que nós não? Temos todo o direito e vamos desenvolvê-la.

Por André Takahashi, direto de La Paz, em Carta Capital

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