Maconha medicinal: entenda o debate sobre a regulamentação do uso terapêutico da droga no Brasil
O canabidiol (CBD), substância presente na planta, tem sido utilizado com sucesso no tratamento de epilepsias; CFM autorizou prescrição a crianças e adolescentes e Anvisa avaliará amanhã (18/12) a classificação do CBD como medicamento.
Uma discussão inflamada vem rolando no Brasil nos últimos meses – a discussão sobre a regulamentação do uso medicinal de maconha.
Alimentados pelo lançamento do documentário "Ilegal" nos cinemas no início de outubro, longos debates têm sido travados entre aqueles que defendem o uso unicamente medicinal da maconha e os que são a favor da legalização total da erva. Uma discussão temperada por representantes de laboratórios gringos, cultivadores de maconha que defendem a produção do medicamento no país, ativistas e pacientes desesperados. No início de outubro o Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) publicou uma resolução regulamentando a prescrição do canabidiol (CBD) para o tratamento de alguns tipos de epilepsia, mais comuns em crianças. A reação contrária veio por parte dos senadores Luíz Antônio Fleury Filho e Magno Malta que anunciaram na Comissão de Direitos Humanos do Senado o lançamento da "Frente Parlamentar Mista Contra a Legalização das Drogas", um grupo de 75 senadores e 400 deputados federais que defendem o endurecimento da lei de drogas. Em depoimento na CDH, o senador Fleury foi categórico em reconhecer as propriedades terapêuticas do canabidiol, desde que importado e fornecido pelo SUS.
O CBD tem ganhado notoriedade na mídia internacional desde a exibição em agosto de 2013 de uma matéria na CNN em que o neurocirurgião Dr. Sanjay Gupta explana várias propriedades terapêuticas da maconha, destacando o caso de Charlotte Figi, uma menina de 5 anos portadora de uma espécie rara de epilepsia chamada Síndrome de Dravet. Ela chegava a ter 300 convulsões por semana; após esgotarem outros tipos de tratamento, seus pais experimentaram o uso de um concentrado de CBD e conseguiram praticamente zerar o número de convulsões. O assunto teve repercussão mundial, a VICE mesmo fez um vídeo sobre o assunto, e pais de crianças portadoras da mesma síndrome em todo o mundo começaram a buscar este tratamento.
Hoje, para conseguir uma autorização de excepcionalidade junto a Anvisa e utilizar a cânabis medicinal é necessário indicação ou receita médica, além de um laudo sobre a doença. Para entender melhor este procedimento legal encontrei um dos personagens do filme, o Dr. Emilio Figueredo, consultor jurídico do Growroom desde 2010 e que recentemente conseguiu para uma paciente com dores neuropáticas a primeira autorização no Brasil para uso medicinal do THC através do medicamento natural Sativex. "Ela conseguiu uma prescrição do médico para usar o THC + CBD do Sativex e um relatório contando toda a luta dela. Como o Sativex é um medicamento registrado e reconhecido em vários países ela conseguiu uma prescrição mesmo, mas por conta das burocracias e dos preços proibitivos, mais de R$ 10 mil reais três frascos, ela ainda não conseguiu importá-lo."
Tratado como o "primo feio do CBD", o THC, substância mais famosa da maconha, também tem efeitos medicinais, como confirma o farmacologista Fabricio Pamplona: "o THC sintético (registrado como donabinol) já é utilizado nos Estados Unidos desde a década de 70 para combater os efeitos da quimioterapia e aumentar o apetite em pacientes anoréxicos. Também é analgésico, podendo ajudar a reduzir a dose de opiáceos e há evidências de que possa reduzir o tamanho de certos tipos de tumores." Fabricio também lembra que os potenciais efeitos adversos apontados pelos críticos do uso terapêutico da maconha são justamente os mesmos efeitos que os usuários recreativos acham prazerosos, descritos por quem vê "de fora" como sonolência, falta de coordenação motora e prejuízo cognitivo temporário. Quanto aos riscos de "paranoia e surto psicótico" levantados pelos críticos da cânabis, o farmacologista lembra que "são raros, geralmente associados a concentrações altíssimas de THC e não acontecem da noite para o dia. É possível informar o usuário sobre a ocorrência de sinais como 'mania de perseguição' para que ele mesmo possa diminuir ou cessar o uso caso tenha sintomas dessa natureza."
Geraldo Magela / Agência Senado
Audiência pública da Comissão de Direitos Humanos do Senado sobre a regulamentação do uso da maconha, em 13 de outubro de 2014
Como mostra "Ilegal", muitos pacientes da cânabis medicinal jamais tinham tido contato com a erva, venceram seu preconceito para usá-la e foram conquistados pelos resultados. O maior desafio para elas hoje é, junto da burocracia, os preços proibitivos. Em outubro, a Anvisa liberou 113 dos 167 pedidos de uso do CBD recebidos desde abril. Entre os pacientes que tiveram o uso autorizado, pelo menos 80 estão utilizando o RSHO (sigla para Real Scientific Hemp Oil) da Hempmeds, empresa do grupo "Medical Marijuana Inc", por sua vez braço medicinal da multimilionária "Hemp Inc", gigante no segmento mundial de cânhamo industrial. De tecido a material de construção, praticamente tudo não-fumável derivado de maconha que é produzido ou vendido no mundo passa pelas mãos (e cofres) da "Hemp Inc".
O custo de cada seringa do RSHO da Hempmeds varia entre 160 e 800 dólares de acordo com a concentração de CBD. Recentemente o grupo de estudos Project CBD, publicou um relatório intitulado "Hemp Oil Hustlers" (algo como "Vigaristas do Óleo de Cânhamo") apontando várias criticas ao produto, que utiliza como matéria prima cânhamo industrial chinês e segundo o estudo tem elevado nível de contaminantes como arsênico e metais pesados. Dois dias depois da publicação do relatório a Medical Marijuana Inc entrou com um processo de 100 milhões de dólares contra o laboratório que realizou os testes.
A esperança de uma alternativa para a custosa importação está nas mãos de uma rede anônima de cultivadores de cânabis do Rio de Janeiro. A rede é uma iniciativa informal de uma turma de amigos que plantam maconha para fins recreativos há anos e que por compaixão resolveram assumir um compromisso de separar a cada ciclo de floração uma planta de seu cultivo e doá-la para uso medicinal. A ideia é selecionar e perpetuar genéticas com alto potencial terapêutico, produzir óleo a partir de suas flores e distribuí-lo gratuitamente para pacientes no intuito de estimulá-los e educá-los a produzir seu próprio remédio. Conversei com um dos fundadores da rede, que por motivos óbvios não posso identificar e por isso o chamarei de Ferdinando. "É uma iniciativa totalmente sem fins comerciais, é simplesmente um objetivo de solidariedade, compaixão. Não temos grandes aspirações por enquanto de tornar-nos muito mais do que isso. Somos simplesmente um grupo de cultivadores se aprimorando e estudando para fazer esse óleo que chega tão caro no país. Se existe um objetivo é difundir a cultura deste remédio da planta, um remédio que pode ser feito em casa por qualquer um de uma forma bem simples."
Ferdinando e sua trupe são realistas em assumir que por mais cultivadores que se solidarizem à causa, dificilmente vão conseguir atender a demanda de pacientes que chegam aos fóruns de internet atrás de informações sobre seu remédio proibido. "Apesar de o nosso objetivo inicial ser dar remédio, a realidade diz que hoje em dia isso é impossível, então temos de capacitar as pessoas a produzi-lo. A ideia é dar o remédio e dizer, 'está vendo isto daqui que eu estou te dando? Eu fiz lá em casa, você pode fazer na sua casa também'. Já temos pessoas que estão fazendo isso. O que eu planto naquele meu cantinho, o que todo mundo planta aqui não vai sustentar a demanda de óleo, mas pode sustentar a demanda de plantas mães e mudas, entendeu? Ensinar a pescar a gente consegue."
Um dos colaboradores da rede trouxe da Califórnia sementes de Harle-tsu, uma cepa canábica conhecida por ter uma taxa de CBD muito alta em relação ao THC, sendo muito apropriada para o tratamento da epilepsia – reza a lenda que foi usada pela Charlote. Os cultivadores da rede conseguiram criar plantas mães cujas flores passaram por exames num laboratório aqui no Brasil, e o formato dos tricomas, estruturas da planta, sugere que ela seja alta em CBD. Uma amostra de óleo extraído da planta foi enviada ao Colorado, nos EUA, para passar por testes mais específicos. Se os resultados forem satisfatórios e a planta realmente tiver uma concentração alta de CBD, ela gerará mudas que serão distribuídas a cultivadores da rede e mães de crianças portadoras de Dravet.
"Tem uma mãe querendo abrir um processo para montar uma cooperativa de cultivo para fins medicinais nos moldes da legislação do Chile. Digamos que ela ganhe, pode plantar, e aí? Aí tem a nossa galera que pode ajudar, já temos as plantas mães, sabemos como cultivar, como produzir o óleo..." explica Ferdinando, que acredita na capacitação das mães para o cultivo. "Eu tive muito contato com estas mães, elas vivem aquilo todo dia, logo entendem tanto ou mais do que os médicos. Tem uma mãe com uma filha de 19 anos com Dravet, já foram muitos tratamentos que ela acompanhou. Uma faculdade de Medicina são seis anos, a experiência desta mãe é muito mais do que isso. Então, se esta mãe puder plantar o remédio do seu próprio filho..." A emoção fala mais alto, e após uma pausa Ferdinando conclui seu pensamento: "Nosso objetivo é este, proliferar, semear."
As 113 autorizações expedidas pela Anvisa até o fim de outubro não chegam nem perto do número de pacientes de epilepsia que precisam do canabidiol no Brasil, estimados em centenas de milhares. Sem contar pacientes com HIV, esclerose múltipla, dores crônicas ou quimioterapia que podem se beneficiar do THC. O assunto ecoa em Brasília: o Conselho Federal de Medicina publicou ontem (16/12) no Diário Oficial a resolução que autoriza a prescrição do canabidiol para tratamento de epilepsias em crianças e adolescentes, e a Anvisa tem uma reunião marcada para a próxima quinta-feira (18/12) para reavaliar a classificação do CBD. No meio tempo, a maioria dos pacientes precisa recorrer à ilegalidade ou contar com a solidariedade dos poucos que topam correr o risco de ser preso como traficante, pois se sensibilizam e entendem que quem está doente não pode esperar.
Acontece que diferentemente dos EUA, que tem o uso medicinal da maconha regulamentado em 23 estados, na maior parte do mundo a maconha é expressamente proibida e seus usuários e sobretudo seus traficantes são tratados como o pior tipo de ser humano, responsáveis pela maioria dos problemas da sociedade. Motivadas pela repercussão do caso Charlotte, as brasileiras Katiele Fischer e Margarete Brito, dentre outras mães de crianças portadoras da mesma síndrome, comprovaram a eficácia do canabidiol utilizando seringas do remédio importadas clandestinamente.
A história delas foi contada no curta-metragem "Ilegal", que seis meses após sua estreia tornou-se o longa-metragem que estreou em outubro nos cinemas de todo o país mostrando não só a evolução do tratamento, como a angustiante batalha burocrática pelo remédio proibido. Diferentemente da maioria dos documentários nacionais recentes sobre maconha, "Ilegal" não se aprofunda nos motivos do proibicionismo, focando apenas numa de suas nefastas consequências – a privação de um remédio a pessoas cuja qualidade de vida depende dele. "É a chance do usuário recreativo levar a mãe ao cinema e mostrar como a erva que ele fuma pode ajudar muitas pessoas. Todo mundo tem algum amigo ou familiar com alguma doença que pode se beneficiar da cânabis", diz o jornalista Tarso Araújo, que com Raphael Erichsen assina a direção do filme.
Alimentados pelo lançamento do documentário "Ilegal" nos cinemas no início de outubro, longos debates têm sido travados entre aqueles que defendem o uso unicamente medicinal da maconha e os que são a favor da legalização total da erva. Uma discussão temperada por representantes de laboratórios gringos, cultivadores de maconha que defendem a produção do medicamento no país, ativistas e pacientes desesperados. No início de outubro o Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) publicou uma resolução regulamentando a prescrição do canabidiol (CBD) para o tratamento de alguns tipos de epilepsia, mais comuns em crianças. A reação contrária veio por parte dos senadores Luíz Antônio Fleury Filho e Magno Malta que anunciaram na Comissão de Direitos Humanos do Senado o lançamento da "Frente Parlamentar Mista Contra a Legalização das Drogas", um grupo de 75 senadores e 400 deputados federais que defendem o endurecimento da lei de drogas. Em depoimento na CDH, o senador Fleury foi categórico em reconhecer as propriedades terapêuticas do canabidiol, desde que importado e fornecido pelo SUS.
O CBD tem ganhado notoriedade na mídia internacional desde a exibição em agosto de 2013 de uma matéria na CNN em que o neurocirurgião Dr. Sanjay Gupta explana várias propriedades terapêuticas da maconha, destacando o caso de Charlotte Figi, uma menina de 5 anos portadora de uma espécie rara de epilepsia chamada Síndrome de Dravet. Ela chegava a ter 300 convulsões por semana; após esgotarem outros tipos de tratamento, seus pais experimentaram o uso de um concentrado de CBD e conseguiram praticamente zerar o número de convulsões. O assunto teve repercussão mundial, a VICE mesmo fez um vídeo sobre o assunto, e pais de crianças portadoras da mesma síndrome em todo o mundo começaram a buscar este tratamento.
Hoje, para conseguir uma autorização de excepcionalidade junto a Anvisa e utilizar a cânabis medicinal é necessário indicação ou receita médica, além de um laudo sobre a doença. Para entender melhor este procedimento legal encontrei um dos personagens do filme, o Dr. Emilio Figueredo, consultor jurídico do Growroom desde 2010 e que recentemente conseguiu para uma paciente com dores neuropáticas a primeira autorização no Brasil para uso medicinal do THC através do medicamento natural Sativex. "Ela conseguiu uma prescrição do médico para usar o THC + CBD do Sativex e um relatório contando toda a luta dela. Como o Sativex é um medicamento registrado e reconhecido em vários países ela conseguiu uma prescrição mesmo, mas por conta das burocracias e dos preços proibitivos, mais de R$ 10 mil reais três frascos, ela ainda não conseguiu importá-lo."
Tratado como o "primo feio do CBD", o THC, substância mais famosa da maconha, também tem efeitos medicinais, como confirma o farmacologista Fabricio Pamplona: "o THC sintético (registrado como donabinol) já é utilizado nos Estados Unidos desde a década de 70 para combater os efeitos da quimioterapia e aumentar o apetite em pacientes anoréxicos. Também é analgésico, podendo ajudar a reduzir a dose de opiáceos e há evidências de que possa reduzir o tamanho de certos tipos de tumores." Fabricio também lembra que os potenciais efeitos adversos apontados pelos críticos do uso terapêutico da maconha são justamente os mesmos efeitos que os usuários recreativos acham prazerosos, descritos por quem vê "de fora" como sonolência, falta de coordenação motora e prejuízo cognitivo temporário. Quanto aos riscos de "paranoia e surto psicótico" levantados pelos críticos da cânabis, o farmacologista lembra que "são raros, geralmente associados a concentrações altíssimas de THC e não acontecem da noite para o dia. É possível informar o usuário sobre a ocorrência de sinais como 'mania de perseguição' para que ele mesmo possa diminuir ou cessar o uso caso tenha sintomas dessa natureza."
Geraldo Magela / Agência Senado
Audiência pública da Comissão de Direitos Humanos do Senado sobre a regulamentação do uso da maconha, em 13 de outubro de 2014
Como mostra "Ilegal", muitos pacientes da cânabis medicinal jamais tinham tido contato com a erva, venceram seu preconceito para usá-la e foram conquistados pelos resultados. O maior desafio para elas hoje é, junto da burocracia, os preços proibitivos. Em outubro, a Anvisa liberou 113 dos 167 pedidos de uso do CBD recebidos desde abril. Entre os pacientes que tiveram o uso autorizado, pelo menos 80 estão utilizando o RSHO (sigla para Real Scientific Hemp Oil) da Hempmeds, empresa do grupo "Medical Marijuana Inc", por sua vez braço medicinal da multimilionária "Hemp Inc", gigante no segmento mundial de cânhamo industrial. De tecido a material de construção, praticamente tudo não-fumável derivado de maconha que é produzido ou vendido no mundo passa pelas mãos (e cofres) da "Hemp Inc".
O custo de cada seringa do RSHO da Hempmeds varia entre 160 e 800 dólares de acordo com a concentração de CBD. Recentemente o grupo de estudos Project CBD, publicou um relatório intitulado "Hemp Oil Hustlers" (algo como "Vigaristas do Óleo de Cânhamo") apontando várias criticas ao produto, que utiliza como matéria prima cânhamo industrial chinês e segundo o estudo tem elevado nível de contaminantes como arsênico e metais pesados. Dois dias depois da publicação do relatório a Medical Marijuana Inc entrou com um processo de 100 milhões de dólares contra o laboratório que realizou os testes.
A esperança de uma alternativa para a custosa importação está nas mãos de uma rede anônima de cultivadores de cânabis do Rio de Janeiro. A rede é uma iniciativa informal de uma turma de amigos que plantam maconha para fins recreativos há anos e que por compaixão resolveram assumir um compromisso de separar a cada ciclo de floração uma planta de seu cultivo e doá-la para uso medicinal. A ideia é selecionar e perpetuar genéticas com alto potencial terapêutico, produzir óleo a partir de suas flores e distribuí-lo gratuitamente para pacientes no intuito de estimulá-los e educá-los a produzir seu próprio remédio. Conversei com um dos fundadores da rede, que por motivos óbvios não posso identificar e por isso o chamarei de Ferdinando. "É uma iniciativa totalmente sem fins comerciais, é simplesmente um objetivo de solidariedade, compaixão. Não temos grandes aspirações por enquanto de tornar-nos muito mais do que isso. Somos simplesmente um grupo de cultivadores se aprimorando e estudando para fazer esse óleo que chega tão caro no país. Se existe um objetivo é difundir a cultura deste remédio da planta, um remédio que pode ser feito em casa por qualquer um de uma forma bem simples."
Ferdinando e sua trupe são realistas em assumir que por mais cultivadores que se solidarizem à causa, dificilmente vão conseguir atender a demanda de pacientes que chegam aos fóruns de internet atrás de informações sobre seu remédio proibido. "Apesar de o nosso objetivo inicial ser dar remédio, a realidade diz que hoje em dia isso é impossível, então temos de capacitar as pessoas a produzi-lo. A ideia é dar o remédio e dizer, 'está vendo isto daqui que eu estou te dando? Eu fiz lá em casa, você pode fazer na sua casa também'. Já temos pessoas que estão fazendo isso. O que eu planto naquele meu cantinho, o que todo mundo planta aqui não vai sustentar a demanda de óleo, mas pode sustentar a demanda de plantas mães e mudas, entendeu? Ensinar a pescar a gente consegue."
Um dos colaboradores da rede trouxe da Califórnia sementes de Harle-tsu, uma cepa canábica conhecida por ter uma taxa de CBD muito alta em relação ao THC, sendo muito apropriada para o tratamento da epilepsia – reza a lenda que foi usada pela Charlote. Os cultivadores da rede conseguiram criar plantas mães cujas flores passaram por exames num laboratório aqui no Brasil, e o formato dos tricomas, estruturas da planta, sugere que ela seja alta em CBD. Uma amostra de óleo extraído da planta foi enviada ao Colorado, nos EUA, para passar por testes mais específicos. Se os resultados forem satisfatórios e a planta realmente tiver uma concentração alta de CBD, ela gerará mudas que serão distribuídas a cultivadores da rede e mães de crianças portadoras de Dravet.
"Tem uma mãe querendo abrir um processo para montar uma cooperativa de cultivo para fins medicinais nos moldes da legislação do Chile. Digamos que ela ganhe, pode plantar, e aí? Aí tem a nossa galera que pode ajudar, já temos as plantas mães, sabemos como cultivar, como produzir o óleo..." explica Ferdinando, que acredita na capacitação das mães para o cultivo. "Eu tive muito contato com estas mães, elas vivem aquilo todo dia, logo entendem tanto ou mais do que os médicos. Tem uma mãe com uma filha de 19 anos com Dravet, já foram muitos tratamentos que ela acompanhou. Uma faculdade de Medicina são seis anos, a experiência desta mãe é muito mais do que isso. Então, se esta mãe puder plantar o remédio do seu próprio filho..." A emoção fala mais alto, e após uma pausa Ferdinando conclui seu pensamento: "Nosso objetivo é este, proliferar, semear."
As 113 autorizações expedidas pela Anvisa até o fim de outubro não chegam nem perto do número de pacientes de epilepsia que precisam do canabidiol no Brasil, estimados em centenas de milhares. Sem contar pacientes com HIV, esclerose múltipla, dores crônicas ou quimioterapia que podem se beneficiar do THC. O assunto ecoa em Brasília: o Conselho Federal de Medicina publicou ontem (16/12) no Diário Oficial a resolução que autoriza a prescrição do canabidiol para tratamento de epilepsias em crianças e adolescentes, e a Anvisa tem uma reunião marcada para a próxima quinta-feira (18/12) para reavaliar a classificação do CBD. No meio tempo, a maioria dos pacientes precisa recorrer à ilegalidade ou contar com a solidariedade dos poucos que topam correr o risco de ser preso como traficante, pois se sensibilizam e entendem que quem está doente não pode esperar.
Matéria original publicada na Vice Brasil.
Acontece que diferentemente dos EUA, que tem o uso medicinal da maconha regulamentado em 23 estados, na maior parte do mundo a maconha é expressamente proibida e seus usuários e sobretudo seus traficantes são tratados como o pior tipo de ser humano, responsáveis pela maioria dos problemas da sociedade. Motivadas pela repercussão do caso Charlotte, as brasileiras Katiele Fischer e Margarete Brito, dentre outras mães de crianças portadoras da mesma síndrome, comprovaram a eficácia do canabidiol utilizando seringas do remédio importadas clandestinamente.
A história delas foi contada no curta-metragem "Ilegal", que seis meses após sua estreia tornou-se o longa-metragem que estreou em outubro nos cinemas de todo o país mostrando não só a evolução do tratamento, como a angustiante batalha burocrática pelo remédio proibido. Diferentemente da maioria dos documentários nacionais recentes sobre maconha, "Ilegal" não se aprofunda nos motivos do proibicionismo, focando apenas numa de suas nefastas consequências – a privação de um remédio a pessoas cuja qualidade de vida depende dele. "É a chance do usuário recreativo levar a mãe ao cinema e mostrar como a erva que ele fuma pode ajudar muitas pessoas. Todo mundo tem algum amigo ou familiar com alguma doença que pode se beneficiar da cânabis", diz o jornalista Tarso Araújo, que com Raphael Erichsen assina a direção do filme.
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