Ajuste fiscal e de ideias
Ainda que a situação fiscal no Brasil seja "muito ruim" – o que é um exagero ideológico – políticas de austeridade não serão a solução
O governo Dilma faz em 2015 um ajuste fiscal, conhecido também pelo rótulo “programa de austeridade”. A semente foi lançada em 2011. Os resultados daquele período foram pífios. Em 2010, a economia crescia a 7,5%. Em 2011, sofreu um cavalo de pau. Saiu de um modelo desenvolvimentista com políticas de estímulo ao consumo e ao investimento para uma política de contração econômica. À época era difícil entender o motivo de uma mudança tão brusca. Mas era simples assim: o governo mudou e houve mudança de ideias.
Em 2011, a desaceleração foi tão foi forte que a velocidade do crescimento foi cortada em 2/3. O resultado de 2011 foi um crescimento de 2,7%. O cenário construído: a economia descendo a ladeira bateu de frente com a desaceleração mundial provocada pela crise europeia. Portanto, a causa da queda da economia brasileira não foi a crise mundial. A causa foi a mudança de ideias. A crise mundial somente anestesiou a situação construída pela política de austeridade iniciada em janeiro de 2011.
Quando a crise chegou, ao final de 2011, ficou mais nítido que o ajuste era um ajuste de ideias. Em 2008-9, durante o governo Lula, quando a crise americana chegou, as primeiras medidas adotadas foram a ampliação dos gastos do governo e o apelo histórico do presidente em rede nacional de TV para que planos de consumo não fossem adiados. Lula enfrentou a crise com o pé no acelerador, com a economia crescendo – tal crescimento não veio do além, veio das mudanças de ideias e de políticas econômicas iniciadas dentro do governo no período 2006-7.
Quando chegou a crise mundial de 2011/12, a economia brasileira já tinha sido abatida. O governo Dilma tentou então uma saída que muitos pensaram que era a retomada de ideias desenvolvimentistas. Mas não era. Na essência, o que foi feito? Foram reduzidas taxas de juros, tarifas de energia elétrica e houve desoneração fiscal. O caminho foi o da busca de redução dos custos das empresas. São políticas conhecidas pelos economistas como políticas pelo lado da oferta. Políticas desenvolvimentistas são essencialmente políticas pelo lado da demanda, de estímulo à dinamização da economia via gastos públicos e privados.
Políticas pelo lado da oferta (ou de redução de custos) somente funcionam quando a economia está crescendo, quando existe demanda, isto é, vitalidade empresarial e de consumidores. Em situações de desaceleração e resultados pífios, políticas de redução de custos empresariais não se transformam em geração de renda, empregos e investimentos, mas sim em lucros extraordinários. As políticas pelo lado da oferta do primeiro governo Dilma foram, na verdade, apetitosos instrumentos de transferência de renda aos empresários. Basta comparar o valor global das desonerações e subsídios (ainda que indiretos) com o valor dos investimentos privados.
Muitos pensam que a política de austeridade de hoje é uma novidade necessária: remédio amargo cura. Não é novidade e nem é necessária. Essa política foi gestada em 2011. Dizem que a situação fiscal se deteriorou. A causa da piora fiscal não foi o excesso de gastos públicos, mas sim o enfraquecimento da arrecadação devido ao baixo crescimento. Uma situação fiscal é sempre o espelho da trajetória de crescimento - e não o contrário. Basta checar a melhora fiscal durante o segundo governo Lula e perceber que tal resultado era o reflexo das boas taxas de crescimento.
Ainda que seja avaliado que a situação fiscal é muito ruim – o que é um exagero ideológico – a saída buscada através das políticas de austeridade não será a solução. Programas de austeridade são um poço sem fundo porque devastarão a economia, empregos e a arrecadação. Além da contenção gastos públicos - o que ameaça direitos sociais - vão promover uma sucção fiscal regressiva, ou seja, os bancos, os milionários, as altas rendas, as grandes fortunas, as heranças volumosas, os iates e os jatinhos não sofrerão ajuste tributário.
A situação fiscal brasileira está longe de ser o que dela dizem. O baixo superávit primário de 2014 foi resultado da arrecadação decorrente de um baixo crescimento. Hoje, a relação dívida/PIB é com folga inferior a 40%. Em 2002, no final do governo FHC, era superior a 60%. Hoje, na Alemanha, é 56%; na Espanha, é superior a 60%, na França, é maior que 84%, nos Estados Unidos, é de 80,4%. O que se busca por aqui é um ajuste fiscal rigoroso motivado por forte componente ideológico. Mas antes do ajuste fiscal de hoje, veio o ajuste de ideias, que teve início em 2011, mas só agora começa a ser percebido.
Em 2011, a desaceleração foi tão foi forte que a velocidade do crescimento foi cortada em 2/3. O resultado de 2011 foi um crescimento de 2,7%. O cenário construído: a economia descendo a ladeira bateu de frente com a desaceleração mundial provocada pela crise europeia. Portanto, a causa da queda da economia brasileira não foi a crise mundial. A causa foi a mudança de ideias. A crise mundial somente anestesiou a situação construída pela política de austeridade iniciada em janeiro de 2011.
Quando a crise chegou, ao final de 2011, ficou mais nítido que o ajuste era um ajuste de ideias. Em 2008-9, durante o governo Lula, quando a crise americana chegou, as primeiras medidas adotadas foram a ampliação dos gastos do governo e o apelo histórico do presidente em rede nacional de TV para que planos de consumo não fossem adiados. Lula enfrentou a crise com o pé no acelerador, com a economia crescendo – tal crescimento não veio do além, veio das mudanças de ideias e de políticas econômicas iniciadas dentro do governo no período 2006-7.
Quando chegou a crise mundial de 2011/12, a economia brasileira já tinha sido abatida. O governo Dilma tentou então uma saída que muitos pensaram que era a retomada de ideias desenvolvimentistas. Mas não era. Na essência, o que foi feito? Foram reduzidas taxas de juros, tarifas de energia elétrica e houve desoneração fiscal. O caminho foi o da busca de redução dos custos das empresas. São políticas conhecidas pelos economistas como políticas pelo lado da oferta. Políticas desenvolvimentistas são essencialmente políticas pelo lado da demanda, de estímulo à dinamização da economia via gastos públicos e privados.
Políticas pelo lado da oferta (ou de redução de custos) somente funcionam quando a economia está crescendo, quando existe demanda, isto é, vitalidade empresarial e de consumidores. Em situações de desaceleração e resultados pífios, políticas de redução de custos empresariais não se transformam em geração de renda, empregos e investimentos, mas sim em lucros extraordinários. As políticas pelo lado da oferta do primeiro governo Dilma foram, na verdade, apetitosos instrumentos de transferência de renda aos empresários. Basta comparar o valor global das desonerações e subsídios (ainda que indiretos) com o valor dos investimentos privados.
Muitos pensam que a política de austeridade de hoje é uma novidade necessária: remédio amargo cura. Não é novidade e nem é necessária. Essa política foi gestada em 2011. Dizem que a situação fiscal se deteriorou. A causa da piora fiscal não foi o excesso de gastos públicos, mas sim o enfraquecimento da arrecadação devido ao baixo crescimento. Uma situação fiscal é sempre o espelho da trajetória de crescimento - e não o contrário. Basta checar a melhora fiscal durante o segundo governo Lula e perceber que tal resultado era o reflexo das boas taxas de crescimento.
Ainda que seja avaliado que a situação fiscal é muito ruim – o que é um exagero ideológico – a saída buscada através das políticas de austeridade não será a solução. Programas de austeridade são um poço sem fundo porque devastarão a economia, empregos e a arrecadação. Além da contenção gastos públicos - o que ameaça direitos sociais - vão promover uma sucção fiscal regressiva, ou seja, os bancos, os milionários, as altas rendas, as grandes fortunas, as heranças volumosas, os iates e os jatinhos não sofrerão ajuste tributário.
A situação fiscal brasileira está longe de ser o que dela dizem. O baixo superávit primário de 2014 foi resultado da arrecadação decorrente de um baixo crescimento. Hoje, a relação dívida/PIB é com folga inferior a 40%. Em 2002, no final do governo FHC, era superior a 60%. Hoje, na Alemanha, é 56%; na Espanha, é superior a 60%, na França, é maior que 84%, nos Estados Unidos, é de 80,4%. O que se busca por aqui é um ajuste fiscal rigoroso motivado por forte componente ideológico. Mas antes do ajuste fiscal de hoje, veio o ajuste de ideias, que teve início em 2011, mas só agora começa a ser percebido.
A punhalada fiscal de Levy e Dilma
Medidas do governo atingem os trabalhadores mais vulneráveis
Foi uma punhalada nas costas”, resumiu Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores, ao se referir às Medidas Provisórias 664 e 665, de redução de direitos trabalhistas e proteção social editadas pelo governo Dilma Rousseff no fim de dezembro. As decisões dificultam o acesso ao seguro-desemprego, ao abono salarial, à pensão por morte, ao auxílio-doença e ao seguro-defeso pago aos pescadores no período de proibição da sua atividade. A justificativa é combater fraudes e cortar 18 bilhões de reais nas despesas da União, parte do ajuste fiscal de, no mínimo, 60 bilhões definido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para atingir um superávit primário de 1,2% do PIB.
O anúncio do pacote em meio à demissão de 800 trabalhadores na Volkswagen e 244 na Mercedes-Benz, em São Bernardo do Campo, no período tradicional de férias dos sindicatos, chocou também pela mudança brusca da postura do governo. O diálogo com as centrais, iniciado há 12 anos durante o primeiro mandato de Lula, diminuiu desde 2010, com a posse da sua sucessora, mas a consulta prévia em relação a medidas de interesse dos trabalhadores se mantinha, com altos e baixos. “Depois da vitória nas eleições, a presidenta e o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, nos receberam muito bem e se comprometeram a convocar novamente os dirigentes se houvesse novidades. A surpresa surgiu no dia 29, quando o ministro nos chamou, não para discutir ou ouvir, mas para anunciar o pacote. Não dá para entender”, diz Patah. Na campanha, a presidenta prometeu não mexer nos direitos trabalhistas “nem que a vaca tussa”.
“O pacote corrige muito pouco as fraudes e os desvios e atinge em cheio os mais frágeis. Dificulta o acesso aos benefícios principalmente para os mais jovens, menos especializados e pior remunerados, mais sujeitos à rotatividade”, afirma Carmem Foro, presidente em exercício da Central Única dos Trabalhadores. Um dos dispositivos aumentará, a partir de março, de 6 para 18 meses o tempo mínimo de emprego necessário para solicitar o seguro. Entre 40% e 50% dos trabalhadores formais (49 milhões de indivíduos) são demitidos depois de seis meses a um ano de serviço e não terão acesso ao benefício, calcula a CUT. A eliminação do abono salarial prejudica os 23 milhões de remunerados com no máximo dois salários mínimos. O aumento do rigor na concessão do seguro-defeso afeta boa parte dos 600 mil pescadores artesanais do País.
A maior parte das fraudes é de simulações das condições exigidas para a aquisição de direitos. “Ninguém defende fraude, mas o seu combate deve ser por meio da definição dos benefícios e da fiscalização, não um corte geral que contraria as ações do governo para melhorar a distribuição de renda e reduzir a desigualdade”, argumenta José Prado de Oliveira Silvestre, coordenador de relações sindicais do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. “O governo obteria resultados muito mais expressivos se tributasse fortunas, aumentasse o imposto das instituições financeiras e eliminasse o rentismo, beneficiado por transferências de recursos equivalentes a 40% do orçamento.”
As decisões e a mudança de atitude do governo provocaram o repúdio das centrais e a sua união em uma jornada nacional de luta, no próximo dia 28, e uma marcha em Brasília, em 26 de fevereiro. Dias depois da reunião convocada por Mercadante, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, declarou a intenção de modificar a fórmula de reajuste do salário mínimo. Por ordem da presidenta, recuou. “Seria uma aberração. A política do salário mínimo, recebido por 40 milhões de famílias, foi a principal sustentação das mudanças desde 2002”, diz Adilson Araújo, presidente da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil.
Levy contestou a definição das medidas como um “pacote de maldades”. Independentemente da sua denominação, elas sucedem a um “pacote de bondades” em benefício do setor patronal, com desonerações e redução de tributos, em troca do compromisso de manter o emprego, não respeitado pelas montadoras. Ao atingir os trabalhadores, as decisões enfraquecem o mercado consumidor. “O movimento sindical teve um papel importante, mais do que na eleição de Dilma, no projeto iniciado por Lula”, lembra Araújo.
As demissões não se restringem às fábricas de veículos de São Paulo, que se dizem dispostas a discutir a decisão. No Paraná, os sindicatos temem cortes na Renault e na Case New Holland. Cada emprego em montadora representa 18 postos de trabalho indiretos em outras indústrias, alerta Miguel Torres, presidente da Força Sindical. A UGT receia as consequências das dispensas no setor de revenda de veículos, com 18 mil concessionárias e 95 mil empregados.
Está marcada para a segunda-feira 19 uma reunião das centrais sindicais com Barbosa e os ministros Miguel Rossetto, da Secretaria-Geral da Presidência, e Manoel Dias, do Trabalho. Além de CUT, UGT e CTB, participarão a Força Sindical, a Central dos Sindicatos Brasileiros e a Nova Central Sindical de Trabalhadores. Os direitos foram mantidos, diz Rossetto, mas o governo conversará com os dirigentes. Será uma oportunidade de desfazer a percepção de que o ajuste fiscal seletivo significa uma opção por prejudicar os mais indefesos.
*Reportagem publicada originalmente na edição 833 de CartaCapital com o título "Punhalada fiscal"
Fonte:http://www.cartacapital.com.br/revista/834
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