Lições da Grécia
Um dos objetivos claros da dureza com que as senhoras e os senhores do Euro se comportaram em relação à Grécia era o de derrubar o governo da Syriza.
Por Flávio Aguiar
Berlim - “Consumatum est”. O Parlamento da Grécia aprovou, por 229 x 64 6 abstenções, o pacote que vai estrangular sua economia e seu povo durante os próximos anos e talvez as próximas gerações. Mas ainda há muito o que percorrer para que os 86 bilhões da prometida “ajuda” cheguem à Grécia, ou melhor, a seus credores internacionais. No momento em que escrevo estas mal traçadas, os ministros da área financeira da zona do euro estão em teleconferência para tentar a visualização de onde sairão, de imediato, 7 bi de euros para manter o sistema bancário grego na linha de flutuação. O pacote - que já foi aprovado na França - ainda deve passar por outros parlamentos. Amanhã, sexta, estará em discussão no Bundestag alemão. Deve ser aprovado, mas com dissidências importantes dentro da própria CDU, partido da chanceler Angela Merkel. O passo mais difícil será o do Parlamento da Finlândia, onde a extrema-direita, que faz parte da coalizão governista, vai se opor ao pacote. Mas no geral, ele deve passar, mesmo porque as regras da UE dizem que em casos urgentes a unanimidade é dispensável, em troca de 85% de aprovação.
Outro passo delicado é o de onde sairão os recursos, em sua totalidade. O chanceler do Reino Unido, George Osborne, ja declarou que se opõe a que dinheiro britânico seja usado para tal fim. Se mantida a posição, isto inviabilizaria o uso da Fundo Europeu de Emergência. Outra dificuldade esta no FMI. Estudos dos seus técnicos, tornados públicos, dizem que sem uma reestruturação - o que equivale a cortes na divida e/ou mudanças de prazos - a divida permanecerá impagável. Ocorre que as regras do FMI proíbem que ele invista em algo de ressarcimento impossível. Por isto a diretora do Fundo, Christine Lagarde, tem se pronunciado cautelosamente (porque isto contraria a vontade de Angela Merkel e Wolfgang Schäuble) a favor da dita reestruturação. Dos 86 bi, algo entre 40 e 50 deverão sair da eurozona. O restante devera vir da venda de patrimônio público grego, do mercado financeiro e do FMI.
O caminho, portanto, sera árduo e complicado, de qualquer modo. E cheio de dúvidas: o que acontecerá com o governo de Tsipras é a primeira. Houve importantes dissidências na votação no Parlamento, a de Yanis Varoufakis entre elas. Outra dúvida, também de natureza política, é o que acontecerá com a própria União Europeia, que saiu trincada da crise. Quando a Alemanha endureceu mais ainda o jogo na ultima reunião de cúpula (a de domingo para segunda, que durou 17 horas madrugada a dentro), ela simplesmente jogou no lixo a proposta que Tsipras encaminhara. Acontece que esta proposta fora redigida de comum acordo com a França. E tinha o apoio da Itália e mais veladamente da Espanha. A Alemanha consolidou sua liderança da linha dura - mantida por alguns países do antigo leste europeu e por países como a Finlândia e a Holanda - mas estremeceu as relações com Paris, Roma e Madri, pelo menos. Isto pode eventualmente favorecer linhas duras, como a de Frente Nacional na França, dissidentes como o Podemos na Espanha, ou ainda decididamente anti-euro e anti-UE, como na Inglaterra, que tem um plebiscito marcado para 2017 sobre a permanência na União.
E decididamente reitera uma linha como a da Islândia e da Noruega, que não integram a UE e muito menos a zona do euro. A impressão que fica é a de que graças ao verdadeiro Cavalo de Tróia do mundo das finanças em que o euro se transformou, a UE como um todo virou uma gaiola de onde quem entra não sai nunca mais nem se desafoga - como aquelas dívidas eternas que o moderno trabalho escravo gera.
Além desta - a lição de que a UE está se transformando numa “família” onde a melhor saída é não entrar - esta recente tortura da Grécia guarda outras lições.
Durante algum tempo muito escriba da esquerda e da ultra-esquerda no Brasil fizeram propaganda da lição que os gregos davam à esquerda brasileira e à latino-americana em geral, Esta lição tinha duas pontas principais. Uma era a posição algo colonizada de que a Europa sempre dá lições e exemplos para a América Latina, estando aquela na vanguarda e esta no vagão-reboque. Vã ilusão. Em primeiro lugar porque nos últimos tempo sucedeu o contrário: são as esquerdas europeias, onde conseguem sobreviver e se rearticular, que na verdade se inspiram no exemplo latino-americano de diminuição da pobreza e na organização de fontes populares. A segunda ponta da lição era de natureza moral: a resistência do governo grego expunha a desqualificação ética das experiências de governos de esquerda na América Latina, vistos pela ultra-esquerda como “vendidos” ao neoliberalismo. Esta perspectiva se apoiava também em alguns escribas da ultra-esquerda europeia, que desqualificam sistematicamente as esquerdas latino-americanas, muitos chegando ao ponto (no Brasil também) de afirmar que tirar dezenas de milhões de pessoas da pobreza e da miséria não “significava nada”. Ao contrário, atrapalhava o “caminho da revolução”, pela "cooptação das massas". Esta desqualificação também se mostrou ilusória, tanto quanto a “beatificação” da esquerda grega o fora.
Não partamos para o extremo oposto, no entanto. Não duvido de que, insistindo na linha moralista, muitos analistas da ultra-esquerda passarão a considerar a parcela antes “beatificada” do Syriza (aquela que votou a favor do pacote), como “bestificada”, ou simplesmente “vis traidores” ou ainda outros adjetivos mais pesados. Uma grande parte de pessoas gregas entrevistadas nas ruas do pais terminava por afirmar que ruim com Tsipras, pior sem ele, ou que dos males o menor, era preciso suportar o jugo do euro porque sair dele seria um suicídio econômico e politico. Este é um ponto sério a debater, pois a longo prazo a volta ao dracma poderia ser uma solução mais estável do que a presente submissão aos senhores e senhoras do euro. Porém no curto prazo isto poderia significar uma inclinação da nave grega para a extrema-direita, graças à dramaticidade da convulsão social imediata que se seguiria. O que é certo é que no passado os governantes conservadores da Grécia deram um passo que não deveriam ter dado, ao entrar na zona do euro, tendo inclusive manipulado dados econômicos para tanto. E deram ou deixaram de dar outros passos. Contraíram dívidas enormes, que desde sempre eram sabidamente impagáveis, e deixaram de tomar medidas contra a enorme sonegação fiscal por parte das elites endinheiradas do país.
Um dos objetivos claros da dureza com que as senhoras e os senhores do euro se comportaram em relação à Grécia era o de derrubar o governo da Syriza. Até o momento não o conseguiram, embora o preço pago pela frente de esquerda seja enorme. A única rota que permite vislumbrar alguma alternativa para esta esquerda grega está, por incrível que pareça, nas mãos do FMI: a reestruturação da divida, com cortes e prazos rediscutidos. Para tanto será vital que um partido como o Podemos vença na Espanha, e que a esquerda se fortaleça em outros países, como os nórdicos, Itália, França, Portugal e na própria Alemanha. Difícil? Sim, difícil, mas não impossível. Afinal de contas, foi muito difícil criar, levar a vitória e manter até aqui as frentes de esquerda na América Latina. Mas não foi, nem é impossível.
Outro passo delicado é o de onde sairão os recursos, em sua totalidade. O chanceler do Reino Unido, George Osborne, ja declarou que se opõe a que dinheiro britânico seja usado para tal fim. Se mantida a posição, isto inviabilizaria o uso da Fundo Europeu de Emergência. Outra dificuldade esta no FMI. Estudos dos seus técnicos, tornados públicos, dizem que sem uma reestruturação - o que equivale a cortes na divida e/ou mudanças de prazos - a divida permanecerá impagável. Ocorre que as regras do FMI proíbem que ele invista em algo de ressarcimento impossível. Por isto a diretora do Fundo, Christine Lagarde, tem se pronunciado cautelosamente (porque isto contraria a vontade de Angela Merkel e Wolfgang Schäuble) a favor da dita reestruturação. Dos 86 bi, algo entre 40 e 50 deverão sair da eurozona. O restante devera vir da venda de patrimônio público grego, do mercado financeiro e do FMI.
O caminho, portanto, sera árduo e complicado, de qualquer modo. E cheio de dúvidas: o que acontecerá com o governo de Tsipras é a primeira. Houve importantes dissidências na votação no Parlamento, a de Yanis Varoufakis entre elas. Outra dúvida, também de natureza política, é o que acontecerá com a própria União Europeia, que saiu trincada da crise. Quando a Alemanha endureceu mais ainda o jogo na ultima reunião de cúpula (a de domingo para segunda, que durou 17 horas madrugada a dentro), ela simplesmente jogou no lixo a proposta que Tsipras encaminhara. Acontece que esta proposta fora redigida de comum acordo com a França. E tinha o apoio da Itália e mais veladamente da Espanha. A Alemanha consolidou sua liderança da linha dura - mantida por alguns países do antigo leste europeu e por países como a Finlândia e a Holanda - mas estremeceu as relações com Paris, Roma e Madri, pelo menos. Isto pode eventualmente favorecer linhas duras, como a de Frente Nacional na França, dissidentes como o Podemos na Espanha, ou ainda decididamente anti-euro e anti-UE, como na Inglaterra, que tem um plebiscito marcado para 2017 sobre a permanência na União.
E decididamente reitera uma linha como a da Islândia e da Noruega, que não integram a UE e muito menos a zona do euro. A impressão que fica é a de que graças ao verdadeiro Cavalo de Tróia do mundo das finanças em que o euro se transformou, a UE como um todo virou uma gaiola de onde quem entra não sai nunca mais nem se desafoga - como aquelas dívidas eternas que o moderno trabalho escravo gera.
Além desta - a lição de que a UE está se transformando numa “família” onde a melhor saída é não entrar - esta recente tortura da Grécia guarda outras lições.
Durante algum tempo muito escriba da esquerda e da ultra-esquerda no Brasil fizeram propaganda da lição que os gregos davam à esquerda brasileira e à latino-americana em geral, Esta lição tinha duas pontas principais. Uma era a posição algo colonizada de que a Europa sempre dá lições e exemplos para a América Latina, estando aquela na vanguarda e esta no vagão-reboque. Vã ilusão. Em primeiro lugar porque nos últimos tempo sucedeu o contrário: são as esquerdas europeias, onde conseguem sobreviver e se rearticular, que na verdade se inspiram no exemplo latino-americano de diminuição da pobreza e na organização de fontes populares. A segunda ponta da lição era de natureza moral: a resistência do governo grego expunha a desqualificação ética das experiências de governos de esquerda na América Latina, vistos pela ultra-esquerda como “vendidos” ao neoliberalismo. Esta perspectiva se apoiava também em alguns escribas da ultra-esquerda europeia, que desqualificam sistematicamente as esquerdas latino-americanas, muitos chegando ao ponto (no Brasil também) de afirmar que tirar dezenas de milhões de pessoas da pobreza e da miséria não “significava nada”. Ao contrário, atrapalhava o “caminho da revolução”, pela "cooptação das massas". Esta desqualificação também se mostrou ilusória, tanto quanto a “beatificação” da esquerda grega o fora.
Não partamos para o extremo oposto, no entanto. Não duvido de que, insistindo na linha moralista, muitos analistas da ultra-esquerda passarão a considerar a parcela antes “beatificada” do Syriza (aquela que votou a favor do pacote), como “bestificada”, ou simplesmente “vis traidores” ou ainda outros adjetivos mais pesados. Uma grande parte de pessoas gregas entrevistadas nas ruas do pais terminava por afirmar que ruim com Tsipras, pior sem ele, ou que dos males o menor, era preciso suportar o jugo do euro porque sair dele seria um suicídio econômico e politico. Este é um ponto sério a debater, pois a longo prazo a volta ao dracma poderia ser uma solução mais estável do que a presente submissão aos senhores e senhoras do euro. Porém no curto prazo isto poderia significar uma inclinação da nave grega para a extrema-direita, graças à dramaticidade da convulsão social imediata que se seguiria. O que é certo é que no passado os governantes conservadores da Grécia deram um passo que não deveriam ter dado, ao entrar na zona do euro, tendo inclusive manipulado dados econômicos para tanto. E deram ou deixaram de dar outros passos. Contraíram dívidas enormes, que desde sempre eram sabidamente impagáveis, e deixaram de tomar medidas contra a enorme sonegação fiscal por parte das elites endinheiradas do país.
Um dos objetivos claros da dureza com que as senhoras e os senhores do euro se comportaram em relação à Grécia era o de derrubar o governo da Syriza. Até o momento não o conseguiram, embora o preço pago pela frente de esquerda seja enorme. A única rota que permite vislumbrar alguma alternativa para esta esquerda grega está, por incrível que pareça, nas mãos do FMI: a reestruturação da divida, com cortes e prazos rediscutidos. Para tanto será vital que um partido como o Podemos vença na Espanha, e que a esquerda se fortaleça em outros países, como os nórdicos, Itália, França, Portugal e na própria Alemanha. Difícil? Sim, difícil, mas não impossível. Afinal de contas, foi muito difícil criar, levar a vitória e manter até aqui as frentes de esquerda na América Latina. Mas não foi, nem é impossível.
Fonte:http://cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FInternacional%2FLicoes-da-Grecia%2F6%2F33999
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