ONDAS DE CALOR NO BRASIL E NA EUROPA,FRIO E SECA AO LONGO DAS ESTAÇÕES EM 2021: CAUSA É O AQUECIMENTO GLOBAL ?
Na França, as escolas permanecem fechadas e temperaturas acima dos 44º C são esperadas em algumas regiões nesta sexta-feira
O que causa o calor 'infernal' que atinge a Europa?
De Paris a Berlim e Málaga, as cidades europeias tentam proteger seus habitantes do calor extremo que atinge o continente e que alguns meios de comunicação descrevem como "infernal".
Na Alemanha, o calor é tão intenso que começou a derreter o asfalto de uma rodovia no centro do país e levou as autoridades a reduzir os limites de velocidade.
A temperatura chegou na quarta-feira a 38,6º C na cidade alemã de Coschen, perto da fronteira com a Polônia.
Na França, as escolas permanecem fechadas e espera-se que os termômetros registrem até 44,1º C na sexta-feira em algumas regiões do sul.
Neste ano, três pessoas morreram nas praias francesas quando mergulharam para tentar se refrescar. Embora não tenha sido confirmado que as mortes foram causadas pela onda de calor, as autoridades emitem diversos alertas sobre os perigos de "choque térmico", especialmente para os idosos, que pode ocorrer quando o calor do corpo entra em contato com a água a uma temperatura consideravelmente menor.As autoridades francesas criaram "refúgios frescos" e instalaram centenas de fontes adicionais de água em Paris para evitar a repetição da devastadora onda de calor de 2003, que causou pelo menos 15 mil mortes no país.
Mas essa onda ocorreu em agosto. E alguns especialistas apontam que a atual onda de junho pode ser especialmente perigosa porque as pessoas tiveram menos tempo para adaptar gradualmente sua fisiologia ao calor do verão.
Em seu relatório de 2015 sobre ondas de calor, a Organização Meteorológica Mundial e a Organização Mundial da Saúde observaram que as ondas de calor no início do verão estão associadas a níveis mais altos de mortalidade do que aquelas que ocorrem mais tarde com as mesmas temperaturas.
Mas qual é a causa das incomuns temperaturas de junho?
A onda de calor que atinge a Europa nesta semana "não tem uma causa única", explicaram especialistas à BBC Mundo.
Clima e tempo
"Há dois fatores por trás da atual onda de calor", disse Dann Mitchell, professor de ciência atmosférica da Universidade de Bristol, na Inglaterra.
"Um dos fatores é que as temperaturas globais estão aumentando em todos os lugares. Elas já aumentaram perto de um grau em relação à era pré-industrial devido às mudanças climáticas, e isso tornou a onda de calor ainda mais quente".
O segundo fator não tem a ver com as mudanças climáticas, uma tendência de longo prazo, mas com o tempo, um termo que se refere aos impactos do dia-a-dia.
"O padrão do tempo é muito sério", disse Mitchell.
"Uma onda atmosférica (ondas de grande escala que, embora não as vejamos, estão ali) causaram um deslocamento de corrente chamado jet stream (um fluxo de ar rápido e estreito na atmosfera").
Esse deslocamento "causou um corte entre duas zonas, uma área de baixa pressão na Europa Ocidental e um sistema de alta pressão localizado sobre o resto da Europa, e entre esses dois sistemas o ar muito quente que se origina no Saara é sugado para o norte".
Saara e seca
A reportagem da BBC Mundo também consultou David Barriopedro, pesquisador do Instituto de Geociências, um centro misto do Conselho Superior de Investigações Científicas da Espanha e da Universidade Complutense de Madri.
"Ondas de calor, como muitos outros fenômenos extremos, são geralmente o resultado de uma combinação de fatores, cuja interseção leva ao evento extremo", disse o cientista.
"Neste caso, a onda de calor está associada a uma intrusão excepcional de ar quente do Saara."
"Esta é uma expansão ao norte do cinturão subtropical de altas pressões (massas de ar muito quentes e secas) através do que é conhecido como dorsal subtropical (em inglês, subtropical ridge)."
"Essas ondas têm a forma de um V invertido (como a crista de uma onda) e são traduzidas em altas pressões em latitudes médias. Essas altas pressões serão especialmente altas e se instalarão (ou estagnarão) na Europa por vários dias (um fenômeno que às vezes também é chamado de "bloqueio" atmosférico), dando origem a uma mega onda de calor (ondas de calor que são especialmente intensas, duradouras e afetam grandes regiões simultaneamente).
Barriopedro disse que pode haver outros fatores que intensificam o aumento das temperaturas.
"Por exemplo, foi demonstrado que as condições da seca na Europa durante os meses chuvosos que antecedem o verão (inverno e primavera) podem favorecer a ocorrência ou, pelo menos, ampliar a magnitude das ondas de calor."
"Grande parte da Europa está passando por uma seca severa, com condições extremamente secas no período de inverno e primavera de 2019."
Mudança climática
Os cinco verões mais quentes da Europa desde o ano 1500 foram registrados a partir do início deste século, em 2002, 2003, 2010, 2016 e 2018.
"Ondas de calor sempre aconteceram no passado, mas a probabilidade de elas acontecerem é maior devido à mudança climática", disse Mitchell.
Barriopedro, por outro lado, disse à BBC Mundo que "a mudança climática antropogênica (causada pelo aumento das concentrações de gases do efeito estufa) é uma realidade que já estamos sofrendo".
E um dos seus sintomas é o "aumento da frequência, intensidade e duração das ondas de calor".
"A questão é até que ponto temos mudado a probabilidade de que esses eventos ocorreram. Não seria prudente dar uma figura a priori, mas em estudos de outras ondas de calor catastróficas (como as megaondas de calor de 2003, 2010), ou outros mais recentes como o de 2017, os estudos concluíram que as atividades humanas haviam (pelo menos) duplicado a probabilidade de ocorrência dessas ondas de calor*. Não seria despropositado obter um resultado semelhante para este evento. "
"Elas serão a regra no futuro."
Barriopedro disse que as projeções da mudança climática para o século 21 indicam que "as ondas de calor serão mais frequentes, intensas e duradouras".
Mitchell explicou à BBC Mundo que as ondas de calor "serão a regra no futuro", mesmo se houver uma rápida transição para as energias renováveis, já que os gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono, "podem permanecer na atmosfera por mais de mil anos".
O cientista da Universidade de Bristol disse que especialmente em lugares acostumados a altas temperaturas, como o sul da Espanha, "é importante que as pessoas entendam que um aumento de um grau em relação ao que estão acostumados pode ser muito prejudicial à fisiologia humana".
"Devemos estar atentos e fazer intervenções o mais rápido possível", disse a ministra francesa da Saúde, Agnès Buzyn, nesta semana.
"Teremos que mudar a maneira como vivemos, trabalhamos, nos vestimos, viajamos, mudamos nossos hábitos e paramos de pensar que esses episódios são excepcionais."
*(Sanchez-Benítez et al., 2018, Geophysical Research Letters: https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/2018GL077253).
Fonte:https://www.bbc.com/portuguese/internacional-48780106
Ondas de calor, frio e seca ao longo das estações em 2021: causa é o aquecimento global?
Especialistas alertam que eventos extremos estão sendo 'potencializados pelas mudanças climáticas'. Papel da humanidade na aceleração das mudanças é considerado inquestionável.
Por Carolina Dantas, g1
Ainda longe de terminar, 2021 já é um ano marcado por eventos extremos do clima. No Brasil, recordes de temperatura (42ºC em Cuiabá e - 5ºC na serra catarinense) e a grave seca no Centro-Oeste e Sudeste. Pelo mundo, os relatos são vários: furacão em Nova York, Itália com mais de 48ºC e incêndios na Grécia.
A dúvida é: podemos dizer que a causa é o aquecimento global?
Primeiro, vamos relembrar alguns dos eventos extremos do ano:
- Uma cidade do Canadá bateu quase 50ºC e foi devorada pelo fogo em 15 minutos
- Na cidade de Las Vegas, nos Estados Unidos, a temperatura chegou a 47,2ºC, uma marca que havia sido registrada pela primeira vez em 1942 e voltou a se repetir três vezes desde 2005
- Pantanal enfrenta a maior seca dos últimos 50 anos; Cuiabá, no Mato Grosso, ficou quase 80 dias sem chuva
- Grécia e Itália sofreram com incêndios florestais e temperaturas acima de 40°C; na Sicília, inclusive, os termômetros chegaram a 48,8ºC
- Teresina, no Piauí, teve o mês de agosto mais seco dos últimos 5 anos
- Tempestade Ida deixou dezenas de mortos nos Estados Unidos, bloqueou estradas e interrompeu o metrô em Nova York
- Em Santa Catarina, um estudo publicado mostrou que eventos de frio extremo afetam o crescimento e podem representar uma ameaça climática para as Araucárias
Um homem olha para um carro inundado em Mamaroneck, Nova York, nesta quinta (2), após a passagem da tempestade tropical Ida — Foto: Mike Segar/Reuters
A lista poderia continuar (assista vídeo no topo os principais eventos dos últimos 5 anos). No inverno no Hemisfério Norte e no verão no Hemisfério Sul em 2021, se sucederam diversas ondas de calor, de frio, chuvas torrenciais, incêndios e secas. O climatologista Carlos Rittl resumiu a impressão em uma frase: "o filme que está passando na nossa frente é o aquecimento global no nosso dia a dia".
É difícil, no entanto, quantificar uma relação de causa e efeito direta, como no pensamento: "esquentou o planeta e, por isso, choveu em Nova York". Rittl explica que, antes de tudo, é importante analisar quais são os fatores que levaram para que cada um dos eventos ocorresse.
"Esse frio fora do normal que subiu na América do Sul, por exemplo. Você tinha alguns fatores: uma zona de baixa pressão do Atlântico, ventos fortes que empurraram para o Norte massas de ar da Antártica com baixa temperatura. Essa área de baixa pressão durante bastante tempo impulsionou a entrada desses ventos para dentro do continente, baixando a temperatura até o sul da Amazônia", explica.
São fenômenos que sempre existiram na Terra. O climatologista disse que é importante avaliar quais são todos os fatores que impulsionaram uma onda de frio, ou qualquer outro evento extremo.
O ponto importante é que os eventos extremos estão sendo "potencializados pelas mudanças climáticas" e isso é inquestionável, segundo cientistas e especialistas de todo o mundo, incluindo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês).
Alguns destes eventos são estudados caso a caso, como é a seca no Pantanal. José Marengo, climatologista e coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), quer justamente entender: a culpa é das mudanças do clima?
"Será que este evento de seca do Pantanal de 2020 poderia ter acontecido sem a presença humana? É isso que estamos tentando pesquisar. Podemos dizer que é uma alteração climática, sim. Mas uma alteração climática é um processo natural. O problema é que essa alteração climática é mais longa e mais intensa que o normal. Isso já é uma amostra do clima no futuro? Muitos eventos extremos que estamos vendo já eram esperados para as próximas décadas, mas não agora".
Marengo diz que "este ano é típico de extremos".
"Esses eventos, incluindo a seca do Pantanal, vêm no mesmo sentido do aquecimento global, que está cada vez mais intenso. O aquecimento global é um processo natural, só que o IPCC aponta que esse processo natural está sendo amplificado por atividades humanas".
Uma analogia feita pelo pesquisador Carlos Rittl pode ser uma maneira de explicar a questão: segundo ele, tentar negar o aquecimento global usando o argumento incorreto de que os "eventos extremos sempre aconteceram" é como pegar um paciente com câncer de pulmão que fumou a vida toda e dizer que "os tumores sempre existiram".
"Há condições locais? Por exemplo, cidades com zonas muito urbanizadas e ilhas de calor, quando você tem calor extremo, é lógico que favorece. Mas vem o aquecimento global com mais uma camada e torna aquela situação ainda pior, quando você tem regiões do planeta com sensação térmica acima de 50 graus, temperaturas chegando a 55 graus célsius, coisas que nunca foram observadas antes", avalia Rittl.
"Ocorreram ondas de calor em outros períodos do planeta? Sim. Mas não com essa intensidade. A gente vem contabilizando recordes atrás de recordes em diferentes áreas do mundo a cada ano".
Aumento da temperatura global — Foto: Arte/G1
O que diz o IPCC
Publicado em agosto, o mais recente relatório do IPCC apontou que as mudanças climáticas causadas pelos seres humanos são irrefutáveis, irreversíveis e levaram a um aumento de 1,07º na temperatura do planeta.
Foi a primeira vez que o IPCC - um órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) - quantificou a responsabilidade das ações humanas no aumento da temperatura na Terra.
"Muitas das mudanças observadas no clima não têm precedentes em milhares, centenas de milhares de anos. Algumas das mudanças - como o aumento contínuo do nível do mar - são irreversíveis ao longo de centenas a milhares de anos".
A conclusão é um dos pontos do documento nomeado "Climate Change 2021: The Physical Science Basis", que apresentou ainda os seguintes destaques:
- Papel da influência humana no aquecimento do planeta é inequívoco e inquestionável;
- Mudanças recentes no clima não têm precedentes ao longo de séculos e até milhares de anos;
- Todas as regiões do globo já são afetadas por eventos extremos como ondas de calor, chuvas fortes, secas e ciclones tropicais provocadas pelo aquecimento global;
- Cada uma das últimas quatro décadas foi sucessivamente mais quente do que qualquer outra década que a precedeu desde 1850;
- Temperatura vai continuar a subir até meados deste século em todos os cenários projetados para as emissões de gases de efeito estufa;
- Aquecimento de 1,5°C a 2°C será ultrapassado ainda neste século se não houver forte e profunda redução nas emissões de CO² e outros gases de efeito estufa
- Reduções fortes e sustentadas na emissão de dióxido de carbono (CO²) e outros gases de efeito estufa ainda podem limitar as mudanças climáticas;
- Caso as reduções ocorram, ainda pode levar até 30 anos para que as temperaturas se estabilizem.
Os dados integraram a primeira das três etapas do relatório do IPCC. As duas próximas publicações abordarão como lidar com o aquecimento e quais as estratégias para evitar um aumento ainda maior da temperatura. No entanto, o documento divulgado em agosto deve ser o único divulgado antes da Conferência das Partes (COP26), prevista para novembro em Glasgow, na Escócia.
Comentários
Postar um comentário