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Países ricos estão longe da meta para ajudar mundo em desenvolvimento no combate à crise climática
O enriquecimento daquelas que hoje são as principais economias do planeta está diretamente atrelado aos combustíveis fósseis, força motriz da Revolução Industrial e de boa parte das tecnologias que vieram a seguir. O progresso e a crescente demanda energética, contudo, desencadearam uma emergência climática que, sem ação imediata, deixa o planeta às margens de uma catástrofe ambiental.
Se todos estão em risco, as ameaças são maiores para aqueles às custas de quem o desenvolvimento ocorreu. A África, por exemplo, contribuiu para cerca de 3% das emissões históricas de carbono, mas será uma das mais afetadas pela crise climática. O cenário que espera a América Latina não é muito diferente.
As vulnerabilidades são maiores não só por questões geográficas, mas também econômicas. Essas regiões, afinal, têm menos recursos para fazerem sua transição energética para tecnologias mais limpas e mitigarem os impactos do aquecimento global. Demandam, portanto, recursos dos países mais ricos do planeta — algo que, para especialistas ouvidos pelo GLOBO, é imperativo na luta contra contra a crise climática.
— Há dois argumentos: os países ricos têm o imperativo moral de tentar ajudar nações emergentes cujos recursos foram explorados para sustentar o desenvolvimento do Norte global, em um processo que desencadeou a crise climática. O segundo é que as tecnologias renováveis são de fato mais caras — disse o sociólogo ambiental Patrick Trent Greiner, da Universidade Vanderbilt.
O mecanismo mais significativo de financiamento neste sentido é o Fundo Verde do Clima (Green Climate Fund, em inglês), estabelecido na COP-16, a conferência climática da ONU de 2010, e endossado cinco anos depois pelo Acordo de Paris. O objetivo era que, até 2020, as nações mais ricas mobilizassem coletivamente US$ 100 bilhões anuais para que os países em desenvolvimento pudessem fazer frente à emergência climática e responder a seus impactos.
Os US$ 100 bilhões incluem doações e empréstimos que os países desenvolvidos podem fornecer por uma série de canais, além de fundos privados que são mobilizados com a ajuda do financiamento público — explicou Alina Averchenkova, pesquisadora da London School of Economics.
Fundo verde furado
Há uma lacuna na divulgação dos números, mas segundo dados apresentados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) na última sexta, foram mobilizados apenas US$ 79,6 bilhões em 2019. O crescimento de 2% foi bastante inferior ao de outros momentos e, devido aos impactos da Covid-19, a perspectiva não é das melhores para 2020.
Segundo o secretário-geral da organização, Mathias Cormann, por mais que os números referentes ao ano passado ainda não estejam prontos, é evidente que "o financiamento climático ficará aquém do seu objetivo". A realidade pode ser ainda pior, no entanto, apontam organizações defensoras do meio ambiente.
Alguns críticos afirmam que só o financiamento público deveria ser contado, já que as outras formas, como recursos privados mobilizados pelo dinheiro público e créditos de exportação, por exemplo, têm caráter comercial. A ONG britânica Oxfam, por sua vez, argumenta que apenas subsídios, doações e ferramentas equivalentes deveriam ser levadas em conta, já que instrumentos como empréstimos não se enquadram como assistência às nações emergentes.
Em 2019, segundo o relatório da OCDE, os subsídios das nações ricas foram de US$ 16,7 bilhões, 30% a mais que em 2018, mas apenas 27% do total de US$ 76,9 bilhões. Os controversos empréstimos, por sua vez, corresponderam a 71% do total.
— A única coisa com a qual todos concordam é que o valor é inferior a US$ 100 bilhões — afirmou Tom Athanasiou, diretor da think tank EcoEquity. — E, ainda assim, US$ 100 bilhões é uma quantia arbitrária e política. É só um começo, precisamos de muito mais.
No Brasil, a necessidade de mais financiamento estrangeiro ganhou protagonismo com o governo atual. Em seu discurso na Cúpula de Líderes sobre o Clima, conferência organizada pela Casa Branca em abril, por exemplo, o presidente Jair Bolsonaro antecipou em dez anos, para 2050, o prazo para o Brasil neutralizar as emissões de gases do efeito estufa, mas pediu recursos internacionais para fazê-lo.
O ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por sua vez, com frequência vinculava a redução do desmatamento ilegal da Amazônia em até 40% ao recebimento de US$ 1 bilhão. Para a diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Ana Toni, a necessidade de auxílio estrangeiro é legitima, mas Bolsonaro não está em posição de pleiteá-la:
O atual governo brasileiro não tem legitimidade para pôr na mesa uma demanda que é legítima porque faz o oposto não só do que prometeu para a comunidade internacional, mas do que diz a nossa própria legislação — afirmou Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS).
COP-26 à espreita
Segundo a série histórica do sistema Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os dois piores anos do desmatamento na Amazônia foram no governo Bolsonaro: o ciclo medido entre meados de 2020 e meados de 2021 só foi inferior ao registrado entre 2019 e 2020. E se o desmatamento na região caiu 32% em agosto, os números vistos entre março e junho foram os maiores já registrados.
Para Ana Toni, o governo percebeu que "peitar a comunidade internacional não funcionou" e adota uma nova retórica "sem a carapuça do negacionismo". O fato de Salles ter sido substituído pelo ministro Joaquim Leite, "uma pessoa mais tecnicamente preparada" já faz uma diferença, ela pondera. Fica a pergunta, entretanto, do "quão genuína esta mudança é":
— O que o governo brasileiro vai levar para Glasgow e acha que é suficiente é quase uma Black Friday. Puseram o preço lá em cima para depois dar um desconto. O desmatamento disparou nos últimos dois anos, mas vão chegar lá falando que diminuiu neste ano em comparação com 2020. Não vai colar, a cobrança em cima do Brasil será muito mais estrutural.
Por Glasgow, a diretora do iCS refere-se à COP-26, que acontecerá na Escócia em novembro, após ter sido adiada por um ano devido à Covid-19. Há uma grande pressão para que os países usem a conferência para revisarem suas metas voluntárias de redução das emissões de carbono assumidas no Acordo de Paris, prometendo zerá-las até 2050. Várias nações já o fizeram, mas ainda assim os compromissos estão distantes do necessário.
A neutralidade do carbono até a metade do século é considerada imperativa para limitar o aquecimento global a 1,5 grau Celsius em comparação com os níveis pré-industriais (1850-1900) — patamar limítrofe para evitar um cataclisma. No ritmo atual, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, na semana passada, estaríamos no ritmo para um aumento de 2,7 graus Celsius até 2100.
Fonte:https://oglobo.globo.com/brasil/um-so-planeta/1017589-paises-ricos-estao-longe-da-meta-para-ajudar-mundo-em-desenvolvimento-no-combate-crise-climatica-25203034
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