TERRAS RARAS: MINERAIS DA INDÚSTRIA VERDE TRAZEM BILHÕES À NOVA 'CORRIDA DO OURO'

  Sondagens da Viridis, mineradora australiana, em busca de terras raras em poços de Caldas, MG

Terras raras: minerais da indústria verde trazem bilhões à nova ‘corrida do ouro’

Após a busca pelo lítio, usado em baterias, minerais essenciais para a fabricação de produtos de tecnologia atraem capital estrangeiro

Por 

Cleide Carvalho 

João Sorima Neto 

— São Paulo

19/11/2023 04h01  Atualizado há 6 horas

A transição para energias limpas, capazes de estancar as mudanças climáticas, coloca o Brasil mais uma vez na rota de investimentos bilionários em mineração. Depois da corrida pelo lítio (usado em baterias) no Vale do Jequitinhonha (MG), o que atrai capital estrangeiro agora é a extração das chamadas terras raras, minerais essenciais para a fabricação de uma série de produtos de tecnologia e transição energética.

O Brasil concentra a terceira maior reserva do mundo, atrás da China e quase empatado com o Vietnã em meio à valorização dessas matérias-primas.

Minas Gerais desponta nessa corrida do “ouro do século XXI”, como têm sido chamados esses materiais, com três grandes projetos que somam R$ 4,6 bilhões. A australiana Meteoric Resources vai aplicar R$ 1 bilhão em Poços de Caldas, onde a Viridis planeja outro projeto de R$ 1,2 bilhão.

Elementos químicos, cujas frações de minerais são difíceis de extrair do solo e das rochas, estão até no seu celular — Foto: Editoria de Arte
Elementos químicos, cujas frações de minerais são difíceis de extrair do solo e das rochas, estão até no seu celular — Foto: Editoria de Arte

A brasileira Terra Brasil vai minerar em Patos de Minas e Presidente Olegário, no Alto Paranaíba, e assinou protocolo de intenções de R$ 2,4 bilhões.

Em Goiás, a Mineração Serra Verde investe R$ 800 milhões em Minaçu. E a canadense Aclara Resources acaba de anunciar a descoberta de nova jazida no estado. Na Bahia, a Brazilian Rare Earths, de capital australiano, anunciou ter obtido concessão para explorar cerca de 460 quilômetros quadrados em Jequié. A expectativa é que Serra Verde seja a primeira a iniciar a exploração, em 2024.

— O Brasil tem potencial para atender de 10% a 15% do mercado mundial de terras raras nos próximos dez anos — anunciou Marcelo Carvalho, diretor executivo da Meteoric, em seminário no fim de outubro promovido pela Comissão Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Poços de Caldas.

Potencial alto

A Meteoric anunciou investimentos de R$ 1 bilhão em três anos em Poços de Caldas e vai ter como vizinha a também australiana Viridis Mining and Minerals, que acaba de comprar direitos de pesquisa e exploração na cidade. Klaus Petersen, gerente da Viridis para o Brasil, disse ao GLOBO que a lavra deve começar em três ou quatro anos.

O investimento estimado é de R$ 1,2 bilhão, quando o projeto estiver a pleno vapor, e a expectativa é retirar de 2,5 a 3 quilos de terras raras por tonelada de argila, enquanto na China extrai-se de 800 gramas a 1 quilo. O nome das terras raras vem menos da sua ocorrência e mais da dificuldade de extração.

Com essa relação, a operação brasileira pode ser mais barata que a chinesa, que hoje atende quase toda a demanda global e acirra tensões geopolíticas em meio à corrida tecnológica.

— Temos certeza de que a operação será lucrativa. Quando estiver a pleno vapor, a expectativa é extrair 10 mil toneladas ao ano — diz Petersen.

Franco Martins, secretário de Desenvolvimento Econômico de Poços de Caldas, acredita que essa mineração vai melhorar a renda dos 163 mil habitantes, e a arrecadação da cidade pode crescer até 50%:

— Novas empresas devem chegar pelo potencial da região, que engloba também o município de Andradas.

Há ainda depósitos de terras raras identificados no sul do Tocantins, onde a Mineração Serra Verde faz pesquisas em dois municípios: Jaú do Tocantins e Palmeirópolis, e na Amazônia. Foram encontrados elementos químicos (chamados de ETRs) em rejeitos da mina de Pitinga, da Mineração Taboca, de onde é extraída cassiterita, em Presidente Figueiredo, no Amazonas.

Elas estão também no Morro dos Seis Lagos, em São Gabriel da Cachoeira (AM), ao lado de outros minerais, como nióbio. O Morro dos Seis Lagos, no entanto, integra a Reserva Biológica Morro dos Seis Lagos, de proteção integral, e a Terra Indígena Balaio, que reúne dez diferentes etnias.

Origem do nome

As terras raras (veja quadro) são 17 ETRs que não fazem jus ao nome, dado na Suécia em 1780. Estão mais presentes no subsolo que ouro ou prata, por exemplo. Mas é difícil extrair frações de toneladas de terra ou rocha. Exploradas no Brasil desde 1886, as terras raras eram tiradas de areia monazítica na faixa litorânea do Sul da Bahia ao Rio de Janeiro. Agora, virão de argila iônica, em regiões onde, há milhões de anos, havia vulcões.

Os ETRs são considerados o “ouro do século XXI” agora pela importância atual do uso. A industrialização das terras raras, que começou com a fabricação de mantas de lampiões, é hoje estratégica. Em diferentes combinações, os ETRs são matérias-primas de indústrias que vão da fabricação de diesel e gasolina a celulares, onde estão no brilho das telas, na vibração e no microfone, mas têm se destacado em equipamentos de transição energética, como lâmpadas de LED.

O pulo do gato da caça às terras raras no Brasil é o foco atual em três dos 17 ETRs (neodímio, praseodímio e disprósio) usados na fabricação de superímãs, usados em motores de carros elétricos e turbinas de energia eólica. Para se ter uma ideia, cada torre eólica consome 2 toneladas de concentrado de ETRs. Um motor elétrico usa mais de 1 quilo.

É por isso que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou em Nova York, no mês passado, que o Brasil pode se tornar exportador tanto “de terras raras e hidrogênio” quanto de “produtos verdes”. Ele se referiu à abundância no país de fontes de energia renovável e dessas matérias-primas.

Especialistas estimam que a procura por esses minerais deve crescer até seis vezes até 2040. Fernando Landgraf, professor da Escola Politécnica da USP e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), explica que o disprósio é o mais caro dos três, pela capacidade de resistir a altas temperaturas. Custa cinco vezes mais.

— O grande desafio é o resfriamento dos motores elétricos. Se não resfriar, para de funcionar — diz Landgraf.

Segundo ele, o Brasil tem os minerais e a ponta do consumo, mas falta o meio, que é a produção dos “óxidos”. O INCT desenvolveu a tecnologia de fabricação de superímãs e o laboratório-fábrica (labfab) da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais, que custou R$ 80 milhões e fez parte dos projetos de fomento à mineração financiados pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Agora, pode ser repassado ao governo federal ou à iniciativa privada.

Além do básico

Sem a indústria intermediária, diz o professor, o minerador vai ganhar muito dinheiro mandando esse material bruto para fora, mas o Brasil poderia usufruir mais:

— O óxido de neodímio, por exemplo, que sai da indústria intermediária, custa dez vezes mais que o que o produto que sai das minas. Ou seja, o Brasil pode ser mais uma vez só exportador de commodity.

Petersen lembra que a China já informou que deixará de fornecer superímã para o resto do mundo a partir de 2025.

Responsável por cerca de 95% desse mercado, o domínio chinês é visto como uma ameaça pelo resto do mundo. Hoje, só a China domina todo o processo, da extração desse mineral à aplicação na indústria de tecnologia, incluindo a fabricação de superímãs.

Henrique Tavares, gerente de Promoções e Investimento da Invest Minas, agência de promoção de investimentos do governo mineiro, ressalta que a exploração de terras raras ultrapassa a importância econômica:

— Há a questão geopolítica. Mais de 90% desses minerais são produzidos na China, fazendo países como EUA, Japão, Inglaterra e Austrália buscarem novas fontes desses minerais. E o Brasil é uma delas.

Atividade demanda tratamento de rejeitos

Ainda que ligada à economia verde, a mineração de terras raras tem os mesmos riscos da exploração de outros minerais: alteração de paisagem e ecossistemas, alto consumo de água. E ainda há perigo de contaminação de solo e cursos d’água com elementos radioativos e metais pesados, diz a Agência Nacional de Mineração (ANM), ligada ao Ministério de Minas e Energia, que autoriza pesquisa e exploração de áreas e fiscaliza atividades.

O professor da USP Osvaldo Antônio Serra, químico e pesquisador do tema, diz que não há na natureza terras raras sem urânio e tório, elementos radioativos. O que faz diferença é a quantidade, diz:

— A argila iônica, que será agora explorada, pode ter menos urânio e tório, mas tem. Preocupa é que tratamento será dado a esses rejeitos, que precisam ser controlados. Não temos boas regras de controle de resíduos da mineração, basta ver as tragédias de Brumadinho e Mariana (onde se romperam barragens de rejeitos de Vale e Samarco).

Impactos ambientais

Klaus Petersen, gerente da Viridis para o Brasil, diz que elementos radioativos em terras raras aparecem mais em mineração em “rocha dura”. Testes da empresa na argila iônica encontraram teores “quase inexistentes” de urânio e tório, diz, ressaltando que a sustentabilidade é hoje obrigatória para atrair investidores.

A ANM diz que, para mitigar impactos ambientais, as empresas devem adotar práticas sustentáveis e tecnologias avançadas. Em Poços de Caldas, a Viridis retira a argila em camadas de até 10 metros de profundidade. Com água e sulfato de amônia, os íons do mineirais de terras raras são separados. A argila lavada é devolvida à lavra. Como o sulfato de amônia é usado em fertilizantes, o solo ainda fica mais fértil.

— Numa mineradora tradicional, essa sobra iria para uma bacia de rejeitos — diz Petersen, acrescentando que ainda há reúso de água.


Fonte:https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2023/11/19/terras-raras-minerais-da-industria-verde-trazem-bilhoes-a-nova-corrida-do-ouro.ghtml?

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