'CARINHO DE PAI PARA FILHO', DISSE PADRE AO PEDIR PERDÃO A MÃE DE VÍTIMA DE ABUSO SEXUAL
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'Carinhos de pai para filho', disse padre ao pedir perdão a mãe de vítima de abuso sexual
Victtor Duarte tinha 11 anos e era coroinha quando foi acariciado e abusado pelo sacerdote Edson Alves dos Santos durante a confissão
Por Fábio Gusmão e Giampaolo Morgado Braga — Rio de Janeiro
28/05/2023 04h30 Atualizado há 8 meses
A imagem da despedida dos amigos de infância que moravam na Rua Trinta e Cinco, no setor Nova Flórida, em Alexânia, Goiás, marcou a memória de Victtor dos Reis Duarte. Com 11 anos na época, ele e a família carregavam na bagagem a dor da violência cometida pelo padre Edson Alves dos Santos, da Igreja Imaculado Coração de Maria, que ficava na Praça Matriz. A história de Victtor é um dos casos de abuso sexual cometido por padres reunidos no livro "Pedofilia na Igreja - um dossiê inédito sobre casos de abusos envolvendo padres católicos no Brasil" (Máquina de Livros, 2023).
Lembro dos meus colegas perguntando por que a gente estava saindo de lá. Eu só conseguia chorar — relembra, 15 anos depois do crime.
O sonho da avó Iraci era ver o menino entrando na igreja como coroinha. Foi assim que ela se encheu de coragem e fez o pedido ao pároco. O padre aceitou com a condição de que a família fizesse a roupa para missa.
— Foi um dia que me senti muito feliz — diz Iraci.
Tudo parecia perfeito, até que o padre passou a levar o menino para dormir na casa paroquial, que ficava num anexo da igreja. A intimidade encobria o interesse obscuro, que não levou muito tempo a se revelar por meio de toques, carícias, até chegar à primeira violência sexual. Os atos repetidos confundiram o menino, que era levado pela fé e pela certeza de que vivia uma experiência divina como coroinha daquela igreja.
O comportamento de Victtor mudou e ele ficou introspectivo, triste. Um amigo do coroinha descobriu o abuso sexual em pouco tempo. E não foi ao observar o jeito diferente do garoto, mas porque também tinha passado pelo mesmo martírio: ele fora vítima do padre Edson durante anos.
Colega denunciou
O colega denunciou Edson para a família de Victtor, que foi até a polícia. A investigação comprovou o crime, após depoimentos e exame de corpo de delito no menino. Indiciado no inquérito, padre Edson foi denunciado pelo Ministério Público e processado. Nas audiências na Justiça, outras vítimas do padre foram depor contra ele, mas ele só estava sendo julgado pelo crime cometido contra Victtor. Em depoimento numa das audiências, a mãe de Victtor revelou o que Edson falara num encontro que teve com ela logo após ser descoberto:
“Ele disse que precisava pedir perdão para mim, pois havia se excedido nos carinhos de pai para filho com o Victtor. Disse que, se eu quisesse, ficaria de joelhos na minha frente, depois pediu para eu não fazer nada contra ele”, contou ao juiz.
Após saber do caso, o advogado Douglas Rios se aproximou da família para propor defendê-los numa ação de indenização contra o padre e a igreja. Mesmo desconfiados, decidiram aceitar. O defensor passou a ter uma rotina com o menino e sua família. A ação, que pedia reparação por danos morais e materiais no valor de R$ 2,5 milhões, levou anos até a sentença final.
Padre Edson foi condenado quase dois anos depois a uma pena de mais de dez anos de prisão, podendo recorrer em liberdade. O advogado foi quem deu a notícia da sentença à família.
— A família toda chorou muito quando dei a notícia. A avó se sentia muito culpada, e a condenação foi um alívio — contou Douglas.
Adolescência difícil
Nesse processo, o advogado viu a criança passar pela adolescência e entrar na idade adulta carregando as dores do passado. Victtor, que tinha largado a igreja, passou anos bebendo e pensando em vingança. Mas foi justamente quando encontrou o amor que conseguiu aplacar o ódio. Ele conheceu a mulher e, após ter filhos, passou a focar o futuro no desejo de construir uma família.
— Conheci ela e fomos nos aproximando. Me encantei por ela — recorda-se.
A causa só foi ganha definitivamente há quase dois anos, tendo como valor final da indenização apenas uma fração do que foi pedido.
Hoje, com 28 anos, Victtor está casado, tem dois filhos e resgatou a fé. Frequenta uma igreja evangélica, e se viu forte a ponto de contar sua história sem medo:
—O pai e a mãe precisam ficar mais alertas com seus filhos, tomar cuidado, conversar... Isso é muito importante, porque às vezes eles não se abrem porque não dão espaço para conversa, aí a criança busca outras pessoas para contar — diz Victtor.
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