O QUE A MIM ME DÓI, INDIGNA E INTRIGA
A mim me dói a deificação do mercado;
A mim me dói a submissão do trabalho à monarquia do capital;
A mim me dói a subordinação do social ao econômico;
A mim me dói o pisotear dos valores da vida pela obsessiva maximização do ter;
A mim me dói o mentiroso tempo é dinheiro derrotar o verdadeiro: tempo é vida!
A mim me dói a existência de um país no qual menos de dezenove milhões de privilegiados pelo sistema- 10% da população- abocanham mais de um trilhão e quatrocentos bilhões de reais/ano ( duzentos e doze reais/ dia por individuo), enquanto cerca de cinqüenta e dois milhões “sobrevivem” com não mais de cem bilhões/ano, quer dizer:
Cinco reais e trinta e quatro centavos/dia por individuo- o que permite inferir-se, considerada a distribuição típica
Dessa camada da população, que treze milhões dela (25)% “resistem” com até dois reais e sessenta e sete centavos/dia, formando um monumental exercito de desesperados da fome, da doença sem remédios, do horror de
Haver nascido da violência como ultimo recurso, do morrer e do matar institucionalizados.
A mim me dói que o mesmo país, presidido por ex-operário de infância paupérrima, esteja destinando valores
Crescentes do orçamento da união- cento e oitenta bilhões somente este ano! – aos juros da divida publica, e que
70% deles sejam pagos a não mais de vinte mil famílias abastadas, brasileiras e estrangeiras, isto é: quatro mil e
Trezentos e quinze reais/dia por individuo, admitidas famílias de quatro pessoas – fonte: economista Márcio Pochman, professor da UNICAMP.
A mim me dói que conterrâneos nossos, violentados cada vez mais pelo sistema, e cada vez mais manipulados pelas
Mais diversas mídias e analgesiados pelas mais diversas bolsas famílias, mantenham-se, por mais de quinhentos
Anos, como se esfolados sem sentir dor.
A mim me dói, e indigna, que a bovina elite latifundiária brasileira, dos campos e das cidades, destine às patas de
Bois e afins dois milhões de quilômetros quadrados (23,5% do território nacional e 66% de nossa fronteira agrícola) e contente-se com produtividade media que não ultrapassa de 0,7 cabeças por hectare, enquanto em muitos outros países o índice médio é superior a 1,5 cabeças por hectare- fonte: ONU/FAO.
A mim me dói, e indigna, o desaproveitamento, pela improdutividade bovina, de mais de um milhão de quilômetros
Quadrados de terras que poderiam ser destinadas a culturas de alimentos essenciais como milho, trigo, arroz, feijão, hortifrutigranjeiros, etc. (chega de soja e cana!), mantendo-se a atual produção pecuária, da qual o Brasil é o maior Exportador mundial, e multiplicando-se por cinco ou seis a produção daqueles alimentos de primeiríssima Necessidade, sem desmatar-se um só mais hectare do cerrado, da Mata Atlântica e, principalmente, da Amazônia, a
Maior reserva de vida do planeta.
A mim me dói, e indigna, ver o nosso retângulo verde- amarelo- azul - branco, salpicado de estrelas que reluzem
Somente para alguns poucos– pouquíssimos! –manter-se hasteado no Palácio do Planalto, acovardado e tremulo ao
Açoitar dos ventos dominantes, e satisfazendo-se, apenas, em “servir a um povo de mortalha”.
A mim me dói e intriga: seriam os esmagados pelo sistema filhos bastardos, nascidos de alguma desobediência às leis celestiais, ou há mais deuses, os das injustiças vitoriosas, os das perversidades brasileiras de quinhentos anos, os que ungem os governantes, os dos altares ornados de cornucópias que vomitam moedas de ouro e só recompensam aqueles que seguem seus mandamentos, os que movem as pás sempre no mesmo sentido, ainda que para isso resultem por moer gentes ao invés de obter o pão?
Povo brasileiro, até quando, por ação ou inação, sustentaremos esses deuses de pés de barro?
Por Carlos Bicca*
Florianópolis, 29/08/2008
*Carlos Bicca, 67 anos, economista com especialização em administração e marketing. Autor dos livros DA MODERNIDADE NEOLIBERAL AO ANACRONISMO AGRÁRIO e REFLEXÕES. ESPARSAS, MAS NEM TANTO.
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