Tarso Genro, Governador do Rio Grande do Sul
A direita
nacional e internacional face ao Brasil está dando um tiro no próprio pé
Estou republicando este artigo, corrigido, do
Governador do Rio Grande do Sul – Tarso Genro – considerado por ninguém outro
que o sociólogo eminente de Coimbra e de Austin (USA) Boaventura de Souza
Santos como um dos maiores intelectuais do Grande Sul do Mundo. O título de sua
reflexão não é esse que dei acima.Ele é mais analítico e lhe deu o título
correto A INTERNACIONAL DO CAPITAL FINANCEIRO, artigo publicado no Boletim
Carta Maior de 29 de junho de 2014. Ele vem dar razão a argumentos que
tenho brandido com frequência nos meus artigos sobre a voracidade do capital e
sobre a espantosa e vergonhosa acumulacão que os rentistas e outras elites
brasileiras detém e sobre a qual quase nunca se fala: quinze (15) famílias
detem 5% do PIB nacional e 5 mil delas 45% do PIB segundo dados do especialista
Marcio Pochamann. Muitos dentre estes que se filiam a visões conservadoras em
política e com parquíssimo sentido social e secundados pela midia corporativa
que os serve ou que controlam, fizeram profecias lúgubres sobre o fracasso da
Copa Mundial, da desorganização generalizada, da bagunha social….E erraram
feio. Até os grandes jornais estrangeiros seja americanos seja europeus que no
início comungavam com tais visões, tiveram que reconhecer como as coisas estão
fluindo a contento, como o povo recebe os visitantes com grande
hospitalidade e como prevalece a ordem sobre qualquer eventual desordem. Tarso
Genro com este artigo alarga nossos horizontes para entendermos uma trama
mundial, orquestrada pelo capital especulativo e até por setores governamentais
dos países centrais com pretensões hegemônicas sobre o resto do mundo para
criar uma imagem negativa do Brasil, quer queiramos ou não, a única
potência relevante do Sul do Mundo e que, por sua riqueza ecológica e de seu
povo, pode ajudar a definir os destinos futuros do mundo, ameaçado pela crise
perversa do capital (que quer afogar todo um pais como a Argentina) e pelo caos
climático que tantas vítimas está fazendo mundo afora. Vale a pena ler este
texto lúcido, desprendido de preconceitos, para entendermos os rumos que está
tomando o mundo e dentro dele o papel que cabe ao Brasil: Leonardo
Boff
Tarso
Genro, Governador do Rio Grande do Sul
A revista Forbes publicou em maio deste ano que 5% do PIB brasileiro
está nas mãos de quinze ilustres famílias, que detém um patrimônio de 269
bilhões de reais. Thomas Piketty, autor do “O Capital no Século 21″ –
mencionado por Paul Krugman como provavelmente o mais importante livro de
economia desta década – é autor de uma frase de uma obviedade alarmante nos
dias que correm, mas que passa ter valor especial porque é formulada, não por
um inimigo do capitalismo, mas por um insatisfeito com os seus rumos atuais:
“os poucos que estão no topo – diz Thomas – tendem a apropriar-se de uma
grande parcela da riqueza nacional, à custa da classe média baixa” e que “isso
já aconteceu no passado e pode voltar a acontecer no futuro”.
O remédio apontado pelo autor, um imposto global progressivo, vai
precisamente contra a tendência autorizada pelas grandes agências financeiras,
públicas e privadas, de importância no mundo, como se vê nas medidas em
andamento nos países da União Europeia, que pretendem recuperar suas combalidas
economias. Estudo recente, publicado pelo “El País” (22 jun. 2014), mostra 10%
de queda nos gastos de alimentação da população espanhola no ano de 2013, o que
atinge diretamente o consumo básico dos assalariados, aposentados e
desempregados, que vivem da parca ajuda estatal.
No âmbito da crise, os índices de pobreza, já alarmantes, aumentaram
gravemente nos Estados Unidos, pois hoje já afetam 46 milhões de
norte-americanos, maior cifra dos últimos 50 anos, que deve ser combinada com o
aumento da renda dos 1% mais ricos, em 9%, nos últimos 35 anos. (“Página 12″,
23 jun.14, baseado em estudos do professor Abraham Lowenthal, emérito da Universidade
do Sul da Califórnia). Os Estados Unidos, como se sabe, superam a União
Europeia em desigualdade, pois nesta a maior concentração de renda está com 10%
da população e nos EUA a maior concentração de renda, em termos relativos, está
com 1% da população.
Cabe um comparativo latino-americano, para verificarmos como os
diferentes países colocados na cena mundial globalizada, reagem perante os
dissabores da atual crise do capital. Recentemente os nossos “especialistas” em
desastres econômicos – sempre atentos aos interesses especulativos e
manipulações políticas no mercado de ações -passaram a mostrar a genialidade da
direita mexicana para lidar com o baixo crescimento e a pobreza. Quando se
depararam com as estatísticas – a partir de 2003 a economia brasileira cresceu
45,44% e a economia mexicana, no mesmo período, cresceu 30,471% – o México
desapareceu das suas colunas proféticas. Mormente porque ficaria chato revelar
que a participação dos salários na renda nacional, no Brasil é de 45% e no
México é de 29%. Ou seja, o Brasil cresceu muito mais com menos
desigualdade.
Esse rápido repasse na crise do capitalismo, presidido pela agenda
neoliberal, serve para ilustrar a guerra de interpretações travada no meio
intelectual, pelas redes e pelos órgãos de imprensa tradicional, entre as
lideranças das mais diversas posições do espectro político. De um lado, estão
os que entendem que a crise ocorre porque todas as “reformas”,
necessárias para o reinado completo do capital financeiro sobre a vida pública
e sobre os estados (capturados pelas agências que especulam com a dívida
pública, para acumular sem trabalho) aquelas reformas, repito, não foram feitas
pelos governos. Por isso, as baixas taxas de crescimento, o aumento da pobreza
e do desemprego.
Num outro polo, os que, por diversos meios e com diversas
gradações, sustentam que a decomposição da socialdemocracia, em nome de
um “ajuste” conservador e predatório dos direitos sociais (com a renúncia
de uma agenda socialista ou democrático-social verdadeira), significou a
vitória dos valores dos que “estão no topo”, como diz Piketty. E que a
pretensão verdadeira daquela agenda é desapropriar os direitos sociais, que vem
sendo conquistados desde o Século 19, para conformar uma sociedade dos mais
aptos, dirigida pelos mais fortes e mais ricos, capazes de se servir das
grandes transformações tecnológicas, distribuindo migalhas de sobrevivência
para a maioria da população, tendo como intermediária uma pequena e rica classe
média, apartada nos seus condomínios ou pequenos bairros com segurança privada.
A campanha contra o Governo brasileiro e contra o Estado brasileiro,
desencadeada pelos órgãos de imprensa e partidos políticos vinculados à
primeira posição, no mundo inteiro, passava a imagem de um país degradado
na sua vida pública, com autoridades incapazes de acolher um evento como a Copa
do Mundo, incompetentes para dar segurança às autoridades de fora do país e
ineptos para a realização da própria competição. Esta campanha, no
entanto, não foi um mero mau humor da direita mundial. Foi nitidamente
uma orquestração política de caráter estratégico para desmoralizar um
BRIC que, com seus avanços e recuos, com as suas vacilações e posições ousadas,
já tinha demonstrado que é possível crescer, distribuir renda, cuidar da vida
dos mais pobres e excluídos e, ainda, exercer um papel político no
cenário internacional, com certa margem de autodeterminação e soberania,
criticando o neoliberalismo com as “costas quentes”. À esquerda ultra-radical
isso parece pouco, mas, examinada a situação internacional e a própria
fragilidade interna das bases políticas para desenvolver estas ações de
resistência, convenhamos que é um feito extraordinária que nenhum governo, pelo
mundo afora, conseguiu realizar com tal amplitude.
O mais grave é que os veículos de comunicação tradicionais do país, não
só repassaram este pânico desmoralizante da nação e das suas instituições, como
alimentaram com falsas informações os veículos externos. Trabalharam
diretamente contra o Brasil, embora já ensaiem uma autocrítica oportunista, Não
se tratou de mero equívoco, mas de parceria política, porque, para estes
grupos, nunca se coloca como real a disjuntiva “Soberania X Dependência”, ou
“Estado Social x Estado Mínimo”, ou “Cooperação Interdepende x Subordinação
Dependente”, ou mesmo “Democracia x Autoritarismo”. Porque soberania, estado
social, cooperação sem submissão, sempre apontam para mais democracia (não
menos democracia), para mais participação das pessoas na política e na renda
(não menos participação) e as receitas europeias para resolver as crises
são incompatíveis com tais conquistas da modernidade.
O traço material desta aliança e da campanha contra o Brasil é o
interesse em ganhar dinheiro com a dívida pública, gerando instabilidade e
desconfiança nos governos ou submetendo as nações a governos dóceis e à agenda
da redução das funções públicas do Estado. A ideologia da aliança é o
liberalismo econômico, ora ornamentado com traços de fascismo e intolerância,
ora casado com a austeridade fiscal. Ela tanto pode arrastar as classes médias
para os protestos, como atiçar o “lúmpen” para fazer quebradeiras de bens
públicos e privados -principalmente bens públicos – assim esvaziando os
movimento sociais e políticos de esquerda, que estão insatisfeitos, com
justiça, com os limites que já bloqueiam o crescimento econômico e
impedem a melhoria da qualidade do serviços públicos nas áreas da saúde,
transporte e segurança, principalmente nas grandes regiões metropolitanas. A
repressão, então, por este mecanismo perverso de isolamento dos lutadores
sociais, aparece legitimada para a maioria da sociedade, que não se identifica
com a violência gratuita à margem da lei, aceitando uma violência do Estado,
que julga “necessária”, mesmo que muitas vezes também à margem da lei.
Arrisco dizer que, diferentemente das crises clássicas do capitalismo –
como na crise de 29 e na crise “do petróleo” nos anos 70 – a crise atual
se diferencia, enquanto crise política conjugada com a crise econômica,
por encontrar o capital com um grau organização mais complexo e sofisticado,
sem aparência imediata, mas mais capaz de interferir rapidamente sobre os
Estados, sem guerras extensivas e ocupações militares em todos os territórios
de domínio. De um lado, há uma verdadeira “Internacional do Capital
Financeiro”, com seus tentáculos internos na mídia e nos partidos
tradicionais -que já avança sobre os não tradicionais através do
financiamento privado das campanhas eleitorais- e, de outro, há uma
visível fragmentação na estrutura material e espiritual das classes
populares, com a correspondente fragmentação dos seus movimentos e
partidos.
Os bancos centrais dos países ricos, as agências privadas de risco, as
instituições financeiras destinadas a especulação, juntamente com as grandes cadeias
de comunicação globais, são organizados diretamente pelo dinheiro e apoiadas na
reprodução ficta do dinheiro, com um manto ideológico e político que
carece de coerência programática, mas que se amplia no próprio movimento do
dinheiro, como acumulação artificial incessante. Esta vai aparelhando e
submetendo instituições, grupos e indivíduos, em todas as esferas da vida
pública, assim tornando os próprios partidos liberais e neoliberais supérfluos,
como inteligência política, constituindo-os como mera extensão e reprodução
daquele movimento do dinheiro, promovendo a irrelevância das suas construções
programáticas.
O surgimento de partidos de extrema direita e de caráter fascista em
toda a Europa, com base de massas, também é uma agonia da política burguesa
democrática em seu sentido clássico e, em termos humanos, imprime nestes
partidos o mesmo conteúdo ideológico de barbárie que move as atuais guerras de
conquista territorial pelas fontes de energia fóssil: ambos os processos são
inspiradas pelo espírito patriótico, ambos dependem de aplicação de doses
maciças de violência para serem vitoriosos, ambos respaldam o poder dos mais
fortes e mais decididos a dominar e vencer, ambos não tem a aniquilação da vida
do outro como limite moral do seu projeto de poder.
Ao tentar desmoralizar o Brasil, sem qualquer rubor e apostando que a
Copa fosse um festival de incompetência e violência generalizada, a direta
conservadora e antidemocrática do país – associada material e ideologicamente
ao capital financeiro e sua estrutura de poder internacional – mostrou mais uma
vez que não conhece o Brasil. Nem o que tem de bom, produtivo e organizado, no
Estado brasileiro. Não conhece o seu povo, porque não convive com as suas lutas
nem compreende a sua linguagem, como demonstraram quando quiseram impedir o
Prouni e o Bolsa-Família, por exemplo. Não conhecem o Estado Brasileiro, porque
prestam atenção somente nas suas imperfeições e mazelas históricas, com os
olhos de quem quer destruir o que ele tem de público para construir uma nação
soberana, pautada pela Justiça e pela Liberdade.
29/06/2014
Fonte:http://leonardoboff.wordpress.com/2014/06/29/a-direita-nacional-e-internacional-face-ao-brasil-esta-dando-um-tiro-no-proprio-pe/
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