Redução da Maioridade Penal : O que Penso sobre o Assunto
Estou indignado. Pela forma como um assunto tão sensível e importante anda sendo discutido por aí. Mais uma vez, a sociedade brasileira mostra como ela ainda está muito longe de ser uma sociedade madura.
“Você é um menino malcriado!”, diz a mãe.
“Mas foi você mesma que me criou!”, responde o filho.
E é bem por aí: vejo uma sociedade culpando seus filhos pelos erros dela! Não, não podemos negar, o Brasil tem problemas sérios com jovens delinquentes, que assaltam e matam, que consomem e vendem drogas, que infelizmente estão totalmente entregues à maldade das ruas e a criminosos adultos, que os usam, que abusam deles. Mas é só isso? Não, não é. A coisa é bem mais complexa. O Brasil sofre com uma violência generalizada, políticos e policiais corruptos, barões da droga que controlam muitas regiões, um sistema educacional que não educa, só maquia estatísticas, um sistema carcerário que é uma verdadeira fábrica de marginais, onde os presos saem pior do que quando entraram, não há uma política voltada para sua reabilitação e a mídia, em geral, é superficial e manipulativa, noticiando suas verdades e desinformando ao invés de informar… E tem mais: há uma degradação de valores, respeito, solidariedade, responsabilidade são conceitos cada dia mais desprezados, parece que cada um vive por si, buscando as próprias vantagens, consumindo, querendo se divertir, ignorando o todo, pensando somente no próprio umbigo e não no bem-estar comum. Filas são furadas, propinas são pagas, o DVD comprado é pirata, a intolerância nunca foi tão grande, homossexuais e todos que são “diferentes” são perseguidos, a política está infestada por fanatismo religioso e defesa de interesses próprios por parte de gente mesquinha, a justiça é cega só de um olho, o racismo corre solto, o sexismo mais solto ainda, o nível intelectual da sociedade está caindo cada vez mais, adultos se comportam muitas vezes como se nunca tivessem crescido, enfim, a sociedade brasileira vive um momento de caos, de falta de ética, de falta de respeito consigo mesma e de falta de humanidade. É a ignorância que rege um rebanho de gente vazia.
É de se compreender que as pessoas estejam cansadas, pois realmente é cansativo sair de casa com medo de ser assaltado, é cansativo ter que construir muros altos e instalar cercas elétricas para ter um pouco de sentimento de segurança, é cansativo ser parado pela polícia sem motivos, só por ser pobre, ou negro, ou ter um nariz torto, ficando entregue a esses soldados e agentes despreparados, não raramente corruptos, que tentam extorquir, ao invés de servir a população. É cansativo ligar a televisão e ver o sensacionalismo de quem só quer mostrar a desgraça alheia, é cansativo ouvir que mais alguém morreu de bala perdida ou achada, é cansativo ter medo de deixar os filhos saírem à noite, é cansativo sentir esse cansaço o tempo todo, já há décadas, sem pausa… Entra governo, sai governo, tudo fica na mesma, quando muda, só piora. Tanto faz a bandeira e o partido: a corrupção é que manda, pelo povo não se interessa, o que interessa para governantes é a defesa dos próprios interesses e as eleições. E são reeleitos, pois o povo, a massa, é mantida ignorante, alienada, vendendo o voto ou votando com base em folclore medial. Sim, é de se compreender que as pessoas estejam cansadas. E é de se compreender que se revoltem. Mas onde fica a revolta verdadeira? Por que não estamos gritando pela aplicação das leis que já existem, por que não pedimos claramente cadeia para políticos corruptos e policiais bandidos, por que não nos ocupamos com os barões da droga (ou da soja, ou do gado, ou do transporte coletivo…), por que não começamos a arrumar a coisa de cima para baixo, pelos adultos que fazem tão mal ao nosso país? Não, preferimos nos concentrar em quem é mais fraco, em jovens, crianças e adolescentes, nossos bodes expiatórios, que têm que pagar por nossos erros. Buscamos mais uma vez o caminho mais fácil e varremos as verdadeiras causas dos problemas para debaixo do tapete.
Veja bem: alguém (a sociedade) vive em uma casa (o país) e nunca cuida do telhado (a paz social), vendo as telhas caindo e as inúmeras goteiras em dias de chuva (os problemas), mas esse alguém prefere reagir de forma indiferente, achando que aquilo tudo não é problema dele. É justo então esse alguém culpar o telhado no dia que ele cair em sua cabeça?
E é isso que faz a sociedade brasileira: a negligência com as crianças, os adolescentes e os jovens no Brasil vem de longas datas. Recordo-me de quando eu mesmo era jovem na Bahia e escutava a brincadeira de mau gosto de certos pais, que ameaçavam seus filhos quando se comportavam mal, dizendo que iriam mandá-los para a FEBEM, que já naquela época tinha a fama de ser uma escola de formação de marginais e não de uma entidade que cuidava realmente do bem-estar do menor. O sistema público de educação foi se degradando mais e mais. Os problemas sempre foram óbvios, mas ninguém (exceto alguns poucos) se preocupou realmente com isso. As “telhas foram caindo”, sem que ninguém cuidasse dos problemas, reagimos com indiferença, nos negamos a assumir nossa responsabilidade, somos perversos, pois é perversidade uma sociedade não cuidar da infância e da juventude, pois é perversidade (e burrice!) não protegê-las.
Agora, cansados, tentamos buscar soluções, mas, além de estarmos cansados, somos covardes, pois culpamos os mais fracos, exigimos que sejam punidos pelos erros da sociedade como um todo. Basta ler os comentários em redes sociais para ver o tamanho da ignorância que acomete muita gente, que argumenta de uma forma assustadora, burra, limitada, a ponto de eu me perguntar quem são aqui os verdadeiros monstros. A argumentação é fraca, aqui apenas alguns exemplos:
LUGAR DE BANDIDO É NA CADEIA!
Certo! Lugar de bandido é na cadeia. Então vamos prender os bandidos: políticos corruptos, policiais desonestos, traficantes, sonegadores de impostos, fazendeiros que destroem a floresta amazônica para criar gado… Mas fica outra questão: prender bandidos em que cadeia? Elas já não andam lotadas? Já não prendemos a torto e a direito, principalmente cidadãos pobres (os ricos normalmente são poupados!), sem que isso tenha resolvido nada? Não corremos então o risco de traficantes e outros bandidos adultos serem soltos para dar lugar aos jovens, já que jovem não tem como se defender e o lobby de traficantes é alto (vide Fernandinho Beira-Mar, que foi preso, mas tinha toda mordomia dentro da cadeia!)? Será que a sociedade não estaria aqui “dando um tiro no próprio pé”?
QUEM MATA TEM É QUE MORRER!
Mesmo que não seja a pena de morte o foco da discussão, muitos argumentam assim. Bom, quem pensa assim, deveria ser coerente. Então deveria morrer também quem mata jovens, adolescentes e crianças por descaso, por indiferença, por egoísmo, quem mata ou deixa morrer por fome ou por falta de assistência médica, por deixá-los entregues a bandidos na rua, por desleixo e por ignorância. Se quem mata tem que morrer, então já passou da hora desses egoístas ignorantes e indiferentes cavarem a própria cova.
EM PAÍSES DESENVOLVIDOS, A MAIORIDADE PENAL É MAIS BAIXA QUE NO BRASIL!
Este argumento é o cúmulo do cinismo. Quem quer comparar o Brasil com outros países, então que compare tudo: o sistema de educação, o sistema de saúde, a segurança pública e todos os aspectos. Quem quer copiar a realidade de países “mais desenvolvidos”, então que a copie por completo.
VOCÊ NÃO DEFENDERIA ESSES BANDIDOS SE ALGUÉM PRÓXIMO A VOCÊ TIVESSE SIDO ASSASSINADO, ESTUPRADO OU ASSALTADO POR ESSES “MARGINAIS MIRINS”!
De fato: para uma família que foi vítima de marginais, é difícil superar essa dor. Mas aqui também deveríamos ser coerentes. Muitos de nós temos alguém próximo que já foi vítima, por exemplo, de violência policial. Eu mesmo tive um parente assassinado por policiais baianos por ele ter sido testemunha de um crime de homicídio praticado por policiais militares, sem que os assassinos nunca tenham sido punidos. Quem argumenta assim, deveria também exigir a punição desses marginais fardados (ou em civil). E temos também pessoas “assassinadas” pelo sistema de saúde ou pela falta dele, pessoas que morrem em corredores de hospitais, não raramente por causa de alguma enfermidade que teria sido fácil de ser curada se o sistema realmente funcionasse. Mas não vejo ninguém pedindo a punição dos responsáveis.
A CULPA É DOS PAIS, QUE COLOCAM UM MONTE DE FILHOS NO MUNDO, MAS NÃO CUIDAM, NÃO EDUCAM. O PROBLEMA É DE BERÇO.
Como escrevi acima, o problema é antigo, Escrevi que no passado, quando eu ainda era jovem, o descaso da sociedade já existia. Quando “certos” adolescentes incomodavam, eram entocados na FEBEM e saíam de lá pior ainda. Muitas dessas crianças cresceram totalmente largadas, pobres, sem acesso a uma (boa) educação, muitas na rua, muitas passando fome, muitas sofreram violência, foram abusadas sexualmente e todas sentiram na pele o desprezo da sociedade, foram enxotados da porta de restaurantes quando pediam comida e ignorados quando dormiam no centro embaixo de caixas de papelão, cheirando cola para disfarçar a fome. Muitas dessas crianças, para ser bem claro: as que sobreviveram, são os pais ou até mesmo avós (já que esses jovens constumam ter filhos cedo) dos que vemos na rua hoje. É necessário serenidade e clareza e ver o contexto, a coisa como um todo. Estamos hoje culpando os pais, ou seja, crianças que foram negligenciadas no passado e que agora são adultas e colocaram filhos no mundo. O pior é que a sociedade não para de produzir mais desses pobres sem nenhuma ou pouca perspectiva. O problema só aumenta, e continuará no futuro, nas próximas gerações. Se queremos quebrar um círculo vicioso, temos que conhecer sua origem. É claro que esses pais, adultos hoje, são responsáveis por seus filhos. O passado de ninguém o isenta de assumir suas obrigações. Mas quando a sociedade tenta responsabilizar somente esses pais pelo problema, isso é no mínimo cinismo.
Bom, é necessário buscar soluções para o problema da violência no Brasil, que anda a níveis absurdos. Conheço muita gente que está abandonando o país POR MEDO! Mas precisamos de um debate objetivo, de uma discussão sensata e de medidas justas. E não é justo a sociedade querer punir crianças, adolescentes e jovens que, na verdade, são vítimas de nossa incúria, transformando-os em monstros e tentando se isentar da própria responsabilidade.
Repito: é necessário serenidade e clareza e ver o contexto, a coisa como um todo. Quando alguém fica doente, com fortes dores de cabeça, e vai ao médico, ele pode dar azar ou sorte. Se der azar, o médico vai tratar só dos sintomas, receitando um analgésico. Se der sorte, o médico vai examiná-lo e procurar o motivo. O mesmo vale para a sociedade. Colocar adolescentes na cadeia é tomar remédio contra os sintomas. E o remédio errado ainda por cima. Nem falo dos efeitos colaterais
Também na Alemanha, onde vivo, há problemas com jovens infratores, mesmo que os níveis e os números sejam incomparáveis com os do Brasil, mas essa não é a única diferença: quando algo acontece, quando um jovem pratica um crime, também há quem grite, pedindo punição mais severa. Penso que essa é uma reação humana, mais emocional que lógica. Mas, quando a poeira se acalma um pouco, a sociedade alemã discute sobre os motivos, sobre sua própria responsabilidade, sobre soluções sensatas. Nunca vi aqui uma tendência de transformar esses jovens em monstros. Eles são vistos é como vítimas da própria sociedade, que se pergunta então: “o que fizemos de errado? Como podemos fazer melhor?”. Espero que o Brasil chegue um dia a esse nível de maturidade social, entendendo que esses que hoje queremos enfiar em cadeias nada menos são que o futuro de nosso país. Será que prender o futuro é uma boa ideia? Não creio.
Por Gustl Rosenkranz
Fonte:http://gustl-rosenkranz.de/diminuicao-da-maior-idade-penal-o-que-penso-sobre-o-assunto/
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