A ECONOMIA DE BOLSONARO: RADIOGRAFIA DO DESASTRE

 


A economia sob Bolsonaro: radiografia do desastre 

 Análise de quatro anos de retrocesso a partir de sete indicadores. Postos precários e péssimos salários marcam a “retomada do emprego”. O custo de vida disparou e, apesar do auxílio emergencial, a renda média da população foi carcomida

Por Bruno Lupion, na DW Brasil

Os brasileiros foram às urnas em primeiro turno neste domingo (02/10) responder se Jair Bolsonaro merece ou não ficar mais quatro anos no comando do país. Além de temas relacionados às instituições democráticas, sob seguidos ataques do presidente de extrema direita, estará em jogo a avaliação da condição de vida dos eleitores, como trabalho, renda e preço dos alimentos.

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A evolução de indicadores econômicos e sociais do Brasil no governo Bolsonaro mostra três fases distintas. O ano de 2019, o primeiro de sua gestão, marcado por fraco crescimento econômico, inflação sob controle e desemprego relativamente estável. Os dois anos seguintes, sob o impacto da pandemia de covid-19, com recessão e desemprego em alta. E o ano atual, influenciado também pela guerra na Ucrânia, com alta inflação e desemprego no primeiro semestre, mas melhora dos indicadores no segundo.

O quadro socieconômico de 2019 a 2021, até quando existem dados anuais consolidados, também mostra piora sensível da renda média da população, da desigualdade de renda e da pobreza, que atingiram seus piores valores desde o início da série histórica, em 2012. Dados mais recentes, sobre o ano atual, indicam leve reversão dessa tendência.

Crescimento econômico

O Produto Interno Bruto (PIB), medida das riquezas produzidas por um país, teve um desempenho fraco no primeiro ano do governo Bolsonaro, e já estava em tendência de queda antes do início da pandemia de covid-19.

O economista Claudio Considera, pesquisador associado do FGV-IBRE e ex-secretário de acompanhamento econômico do Ministério da Fazenda (1999-2002), afirma que o baixo crescimento em 2019 pode ser em parte atribuído ao clima de caos institucional promovido pelo presidente.

“Teve a ver com aquela bagunça que o Bolsonaro fazia. Todo dia tinha confusão, isso espanta consumidores e empresários. A taxa de investimento foi muito baixa, o governo estava saindo e o setor privado não estava entrando, por conta da incerteza daquele momento”, diz.

Em 2020, com a pandemia, o PIB entra em retração profunda, e termina o ano com queda de 3,9%. No ano seguinte, a tendência começa a se reverter e há uma recuperação da economia.

Essa retomada, diz Considera, deveu-se principalmente ao setor de serviços, beneficiado pela ampliação da taxa de vacinação e a retomada das atividades.

Contudo, o PIB já está desacelerando novamente. Se no segundo trimestre deste ano ele cresceu 1,2% em relação ao trimestre anterior, no terceiro trimestre a variação deve ser de 0,4%. As perspectivas para o próximo ano tampouco são boas. Ele estima que o crescimento será de 0,5%, como reflexo da atual política monetária restritiva para conter a inflação.

Custo de vida

Os dois primeiros anos do governo Bolsonaro registraram inflação sob controle, próxima da meta do Banco Central, que em 2019 era de 4,25% e em 2020, de 4% – com margem de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.

Em 2021, no segundo ano da pandemia, os preços começaram a sair do controle. A vacinação contra a covid-19 avançava e os países voltavam gradativamente à atividade, mas a desorganização das cadeias logísticas e de produção e os lockdowns rigorosos na China pressionaram os preços em todo o mundo.

Naquele ano, a inflação anual no Brasil foi de 10,06%, muito acima da meta do BC, que era de 4%, com margem de 1,5 ponto percentual. Um item que subiu ainda mais, fora da curva, foi a carne bovina, que acabou tornando-se um tema da campanha eleitoral deste ano.

A alta dos preços continuou se agravando em 2022, devido também à guerra da Ucrânia, invadida pela Rússia em fevereiro. O conflito fez o preço dos combustíveis disparar, com reflexos pela economia como um todo e na popularidade do presidente.

Pressionado pela proximidade da campanha eleitoral, o governo Bolsonaro articulou e aprovou no Congresso um limite em 17% para a alíquota do ICMS, um imposto estadual, sobre os combustíveis. Essa alíquota variava de estado para estado, e chegava a 34% no Rio de Janeiro. O presidente também promoveu seguidas trocas no comando da Petrobras para pressionar a estatal a adotar parâmetros mais favoráveis ao consumidor na redefinição dos preços.

As medidas surtiram efeito, o preço dos combustíveis caiu significativamente e a inflação começou a recuar no segundo trimestre de 2022. O país registrou deflação em julho (0,68%) e agosto (0,36%), e deve registrar deflação também em setembro (0,37%, segundo o IPCA-15). A estimativa atual é que o ano feche com inflação acumulada de cerca de 6%.

Taxa de desocupação

O desempenho do emprego durante o primeiro ano governo Bolsonaro foi de relativa estabilidade, na faixa de 12%, com variações sazonais. A chegada da pandemia, com as restrições sanitárias e o fechamento do comércio, impactou o mercado de trabalho a partir do início de 2020, que foi piorando até março de 2021, quando a taxa de desemprego bateu em 14,9%.

A partir desse momento, o mercado de trabalho começou a se recuperar. No trimestre encerrado em agosto, a taxa de desemprego foi de 8,9%, nível que havia sido alcançado pela última vez no trimestre encerrado em agosto de 2015.

A retomada do emprego também deveu-se principalmente ao setor de serviços, que é intensivo em mão de obra, diz Considera. Ele pondera, contudo, que são vagas em geral de pior qualidade e de remuneração mais baixa do que as da indústria, que ainda não se recuperou totalmente do tombo da pandemia.

Rendimento médio

Outro parâmetro que mostra como a economia impacta as condições de vida das pessoas é o de rendimento médio real de todas as fontes, que mede quanto as pessoas com renda receberam mensalmente, seja do seu trabalho ou de programas sociais do governo.

Ao longo dos três primeiros anos do governo Bolsonaro, esse rendimento registrou queda em termos reais. Em 2019, foi de R$ 2.471, um real a menos do que o do ano anterior. Em 2020, de R$ 2.386, e no ano seguinte de R$ 2.265, sempre a preços de 2021. Foi o menor valor da série histórica, iniciada em 2012.

A piora sensível do rendimento em 2021 deveu-se, entre outros fatores, a mudanças na concessão do auxílio emergencial, que não foi pago no primeiro trimestre daquele ano, e depois retornou com valores mais baixos do que no primeiro ano da pandemia, diz o economista Marcelo Ribeiro, pesquisador do Observatório das Metrópoles e professor do IPPUR/UFRJ. Além disso, a alta da inflação corroeu o valor real recebido pelas pessoas.

Em 2022, o rendimento voltou a subir, mas o dado consolidado, que reúne todas as fontes, só será conhecido no próximo ano. Na série trimestral, que mede o rendimento com trabalho das pessoas ocupadas, sem considerar os desempregados e os ganhos com benefícios sociais, o segundo trimestre do ano registrou sua primeira alta desde o início da pandemia: o valor foi de R$ 2.693, 2,9% superior ao do trimestre anterior.

O rendimento real per capita de todas as fontes em 2021 foi de R$ 1.353, também o menor da série histórica. E essa queda no rendimento ao longo do governo Bolsonaro foi sentida de forma mais intensa pelas camadas mais pobres da população, contribuindo para o aumento da desigualdade.

Desigualdade de renda

A maior queda relativa do rendimento de todas as fontes de 2020 para 2021 ocorreu no estrato do 5% da população que ganha menos: variação negativa de 33,9%, em termos reais. No comparativo com o início da série histórica, em 2012, essa parcela dos brasileiros também foi a que perdeu mais: 48% a menos de rendimento.

A segunda faixa que mais perdeu foi a dos brasileiros no 5% a 10% que menos ganha: queda de 31,8% de 2020 para 2021, e de 25,3% desde o início da série.

Na outra ponta, a dos brasileiros mais ricos, a perda de rendimentos foi muito mais suave. Na faixa do que ficam entre o 95% e 99% da distribuição, a queda de rendimento real de 2020 para 2021 foi de apenas 3,4%, e de 4,3% desde o início da série.

No topo da pirâmide, o 1% com melhores rendimentos, que no ano passado equivaleu uma renda mensal per capita superior a R$ 15.940, a queda foi de 6,4% de 2020 para 2021 e de 6,9% desde o início da série.

Como resultado desse impacto mal distribuído, houve aumento da desigualdade, que pode ser medida pelo coeficiente de Gini, sendo 0 a igualdade absoluta e 1 a desigualdade absoluta.

Um cálculo do Gini feito pelo Observatório das Metrópoles para os moradores de vinte regiões metropolitanas do Brasil identificou ligeira queda da desigualdade de 2018 para 2019, no primeiro ano do governo – de 0,563 para 0,562 – e no segundo ano, para 0,555, devido ao pagamento do auxílio emergencial de R$ 600. Mas, no ano seguinte, houve alta da desigualdade, para 0,565, o maior nível da série histórica iniciada em 2012.

Ribeiro atribui a piora sensível da desigualdade em 2021 ao não pagamento do auxílio emergencial nos primeiros quatro meses do ano e à inflação. “Quando ele passou a ser pago, sob esse valor [de R$ 400], já estava em um contexto de aumento do processo inflacionário. Houve perda do nível de renda, o que fez com que aumentasse o nível de pobreza e a desigualdade”, diz.

Também não ajudou a combater a pobreza e a desigualdade o fato de que, no governo Bolsonaro, os reajustes anuais do salário mínimo foram suficientes apenas para cobrir a inflação do período. O valor em vigor atualmente, de R$ 1.212, é ligeiramente menor do que o que em outubro de 2017, que corrigido pelo IPCA seria hoje equivalente a R$ 1.226.

Pobreza

A evolução da pobreza no governo Bolsonaro registrou leve melhora no primeiro ano, leve piora no segundo e uma explosão no terceiro.

O presidente assumiu o Palácio do Planalto com 19,5% dos moradores de regiões metropolitanas em situação de pobreza (com renda diária de até 5,50 dólares em paridade do poder de compra) e 4,4% deles em pobreza extrema (com renda diária de até 1,90 dólar em paridade do poder de compra).

Depois dos dois primeiros anos de relativa estabilidade, em 2021 o percentual de pessoas em situação de pobreza nas regiões metropolitanas subiu para 23,7% (7,2 milhões de pessoas a mais do que em 2014). Já o percentual de pessoas em extrema pobreza chegou a 6,3%, ou 3,1 milhões a mais do que 2014 – dos quais 1,6 milhões entraram nessa faixa apenas em 2021.

Ribeiro afirma que os sinais de recuperação da renda do trabalho e a redução da inflação no segundo trimestre deste ano são positivos para a redução da desigualdade. A medição precisa do impacto na pobreza, no entanto, só poderá ser feita no ano seguinte, quando saem os dados da renda de todas as fontes, incluindo a de benefícios sociais. Ele ressalva que a recuperação da renda do trabalho verificada até o momento ainda a deixa em patamar inferior à do início da pandemia.   

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