AGRICULTURA NO BRASIL QUE RESISTE AO TEMPO (BOM OU RUIM): COM DNA ALTERADO, PAÍS DESENVOLVE LAVOURA À PROVA DE SECA
Agricultura que resiste ao tempo (bom ou ruim): com DNA alterado, país desenvolve lavoura à prova de seca
Cientistas desenvolvem soja com maior resistência à seca. Biodiversidade vegetal do Brasil também é fonte para adaptar ao clima extremo espécies originárias de outros países
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— São Paulo
18/02/2024 04h01 Atualizado há um mês
É tempo de mudança climática e de transformação no campo. Com a perspectiva de extremos climáticos reduzirem a safra neste e nos próximos anos, vem da ciência a esperança para se adaptar e evitar perdas. Exemplo disso é uma variedade nacional de soja com maior resistência à seca, criada por meio da edição do DNA, e já em teste no Brasil. E são de plantas raras, do alto de serras mineiras, os genes que podem ajudar o milho a resistir à seca e ao calor.
A soja editada foi desenvolvida por Alexandre Nepomuceno, chefe-geral do Centro Nacional de Pesquisa de Soja (Embrapa Soja), em Londrina (PR). Nepomuceno explica que a espécie até tolera bem o calor, mas tudo tem limites. A temperatura ideal para a soja fica entre 22°C e 28°C, um padrão em risco num Brasil mais quente e seco.
— Não se trata de criar uma soja-cacto. Mas uma planta que suporte de dez a 15 dias a mais de seca pode fazer uma diferença de vida ou morte para a safra. A falta de água é o maior problema para todas as culturas e cada vez mais ela vem associada ao calor, que aumenta o estresse das plantas — afirma o pesquisador.
Fronteira climática
Os 44°C registrados em plena estiagem no ano passado no Mato Grosso, o maior produtor nacional do grão, fizeram muitas culturas derreterem. Atingido por seca e calor intenso, o estado pode ver a safra de 2023/24 ter uma redução de 7% em relação ao período anterior, segundo estimativas do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária.
A seca na Região Sul de 2021/22 foi a maior em 93 anos e cortou à metade a produção nessa área no período.
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O melhoramento convencional de vegetais não tem velocidade para acompanhar o ritmo das mudanças do clima. Leva-se de dez a 12 anos para se chegar a um novo cultivar. Isso é muito tempo, posto que as mudanças climáticas já são parte do presente, diz Alexandre Bryan Heinemann, pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão.
Transgênicos, edição gênica e aplicação do microbioma (micro-organismos associados às plantas) são as estratégias consideradas mais promissoras.
Os transgênicos não são novidade no Brasil. Hoje, 95% da soja e 80% do milho produzidos no país são transgênicos. Mas o foco tem sido aumentar a produção, com a resistência a pragas. O clima abre uma nova fronteira nesse melhoramento. O próprio Nepomuceno desenvolveu uma soja transgênica resistente à seca.
Ela tem um gene de Arabidopsis thaliana, planta que equivale ao rato branco da pesquisa vegetal. Está em teste no Tocantins, numa parceria com a GDM, empresa que detém 80% do mercado de sementes da América do Sul.
Inspiração na natureza
A dificuldade maior não é a pesquisa, mas o custo para levar um transgênico ao mercado, diz Nepomuceno:
— Não tenho US$ 100 milhões (R$ 497 milhões), o custo médio para atender a exigências regulatórias (em vários países do mundo). Com isso, o mercado de transgênicos fica na mão de multinacionais e os produtores precisam pagar royalties.
Feita com a técnica de CRISPR, a edição gênica, mais barata, simples, rápida e com muito menos exigências regulatórias, é vista como a grande promessa. Ela abre o caminho para que produtores locais e empresas públicas, como a Embrapa, possam desenvolver variedades, diz Nepomuceno.
Na edição gênica, a planta não ganha nada que sua espécie naturalmente não possua. Mas um gene pode ser silenciado, amplificado ou mudado de lugar. Mutações de interesse de uma variedade não produtiva podem ser copiadas em outras de uso comercial. O que se faz, na prática, é acelerar e aumentar a precisão do que seria obtido em muito mais tempo pelo melhoramento convencional, baseado no cruzamento de variedades.
A soja editada por Nepomuceno teve desligado um gene que regula mecanismos metabólicos da planta. A edição imita uma mutação encontrada numa das 60 mil variedades de soja mantidas num banco vegetal da Embrapa. Ela pertence a uma soja menos produtiva, porém, mais resiliente à seca.
Vantagem brasileira
A biodiversidade vegetal do Brasil, a maior do mundo, é outra fonte de esperança para adaptar ao clima extremo espécies originárias de outros países, caso de todas as nossas commodities, da soja ao milho; do café à cana-de-açúcar e ao algodão. E até mesmo dos tradicionais arroz e feijão.
Na Caatinga e no Cerrado há espécies do que a ciência chama de plantas ressuscitáveis, que sobrevivem longos períodos de seca como se mortas estivessem e, quando chove, acordam em menos de 48 horas.
Mas é nos campos rupestres do alto da Serra da Canastra (MG), um ecossistema ainda mais extremo, que cientistas do Centro de Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas (GCCRC), uma joint-venture da Embrapa e da Universidade de Campinas (Unicamp), têm descoberto espécies com supertolerância à seca.
Os campos rupestres ocupam 1% do território brasileiro, mas detêm 15% da biodiversidade. Neles há espécies exclusivas, que se adaptaram a condições hostis, afirma Isabel Gerhardt, pesquisadora do GCCRC e da Embrapa Agricultura Digital. Os solos são pobres e rochosos, a seca é longa e a radiação solar, intensa.
Sempre verdes
Os campos da Canastra são o lar de uma família de velosiáceas, a das canelas-de-ema, com o maior número de espécies tolerantes à perda de água. Elas sobrevivem com até 5% de água nos tecidos enquanto que a maioria das plantas morre quando esse percentual baixa de 50%. Muitas dessas canelas-de-ema ficam ressecadas na estiagem, reduzem a fotossíntese, mas se tornam verdes após uma chuva, como se nada tivesse acontecido.
Isso por si só é promissor. Mas os cientistas descobriram uma velósia ainda mais resistente. A Vellozia intermedia é o que se chama de sempre-verde, plena em verdor mesmo após quatro meses de seca. Para ela não tem tempo ruim.
As velozias podem ter seus talentos copiados por edição (por meio de genes semelhantes) ou transgenia (transplante de genes da velozia para o milho). No centro, ambas as possibilidades estão em teste no milho.
— Cerca de 30% dos genes de cada genoma têm função desconhecida, e há mais de 400 mil espécies de plantas no mundo. Há muito o que pode resultar em ativos biotecnológicos contra mudanças climáticas — frisa Gerhardt, líder do estudo com as velozias.
Ela acrescenta que o estudo dos microbiomas, isto é, dos micro-organismos associados às plantas, revelou bactérias que se proliferam em condições de seca e ajudam a fixar nutrientes. Uma possibilidade é aplicá-los em spray nas plantações.
Paulo Arruda, coordenador do centro e professor da Unicamp, diz que a biotecnologia é a saída, mas falta investir.
— Variedades com resiliência climática chegam aos poucos ao campo. O Brasil aprovou um cultivar de trigo mais tolerante à seca, desenvolvido na Argentina. E a Embrapa testa a soja mais tolerante à seca. Mas são exemplos pontuais. Buscamos plantas com maior resiliência ao clima e a doenças, que precisem de menos fertilizantes e sejam sustentáveis. É um desafio. Estamos na infância das pesquisas. É uma questão estratégica para um grande produtor como nós. Mas multinacionais como Bayer, Syngenta investem maciçamente — enfatiza.
Fonte:https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/02/18/agricultura-que-resiste-ao-tempo-bom-ou-ruim-com-dna-alterado-pais-desenvolve-lavoura-a-prova-de-seca.ghtml
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